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Em 1986 era mais fácil torcer por Maradona
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A seleção brasileira foi eliminada da Copa de 1986, no México, na disputa pelas quartas-de-final em um sábado, dia 21 de junho. Nos pênaltis para a França.
O domingo era o dia de lamber as feridas de um jogo em que a equipe de Telê Santana foi superior nos 120 minutos, perdeu um pênalti com Zico no tempo normal e um gol feito de Sócrates na prorrogação. Ainda as cobranças de Sócrates que parou no goleiro Bats e a de Júlio César que explodiu na trave.
Além, é claro, daquelas críticas na TV, nas rádios e nos jornais, as mídias da época, detonando o treinador, os jogadores "mercenários" que atuavam no exterior e não tinham "amor à pátria". Como sempre, o Brasil havia perdido para si mesmo. Não para a França de Michel Platini, semifinalista de 1982, campeã da Eurocopa dois anos depois e uma das favoritas ao título.
Tudo foi esquecido com o gol antológico de Maradona no início da tarde daquele mesmo domingo. Este que escreve tinha 13 anos e lembra dos gritos pelas ruas e até fogos, provavelmente aqueles que não foram gastos no dia anterior. À tarde, todos só falavam em Maradona. Muito mais sobre os dribles nos ingleses do que do toque de mão do primeiro gol. Também a "vingança" em campo da Guerra das Malvinas, tema ainda muito vivo na época.
A torcida, com fogos nos gols, seguiu contra a Bélgica na semifinal e, principalmente, na decisão contra a Alemanha. Sem a catarse e o envolvimento dos jogos do Brasil, é claro. Mas quem gostava de futebol ficou feliz com a conquista do país vizinho e, principalmente, a consagração de Diego Armando Maradona, dono do melhor desempenho individual em uma Copa do Mundo na história.
A internet mudou o mundo. Para melhor em vários aspectos, mas não todos. E as redes sociais já se provaram mais nocivas, no micro e no macro, do que benéficas. A informação mais disponível, quem diria, potencializou a preguiça de se informar e o orgulho da própria ignorância. E, com tantas vozes ao mesmo tempo, a disputa passou a ser por quem grita ou choca mais o público.
Em 1986 não havia fãs de Maradona querendo colocá-lo acima de Pelé pelo desempenho notável em apenas uma Copa do Mundo. Aliás, essa rivalidade entre os dois nasceu...com a internet.
Hoje querem enfiar goela abaixo que a atuação do craque de uma campanha com derrota para Arábia Saudita na estreia, três gols de pênalti em cinco e alguns lampejos, como a jogada do terceiro gol contra a Croácia, e sem enfrentar um campeão mundial até a final - Maradona enfrentou Itália e Inglaterra, antes da Alemanha na decisão - é a maior da história das Copas. Só se for para os que nasceram neste século e acham que o futebol começou quando eles começaram a acompanhar.
Há 36 anos não havia, ou ninguém conhecia, músicas menosprezando as conquistas brasileiras. Muito menos o conhecimento que se tem hoje sobre o racismo, não de todos, na Argentina.
Em 1986 ninguém perdia tempo comparando os trabalhos de Telê e Carlos Bilardo. Até porque, embora o resultadismo existisse e já fosse histriônico, havia uma maior noção da aleatoriedade do jogo.
Zico perdeu pênalti e Sócrates furou na pequena área. Um dos pênaltis bateu na trave, nas costas do goleiro Carlos e entrou. Olarticoechea salvou gol certo de Lineker, que seria o do empate, no sufoco inglês depois da entrada do ponta Barnes, autor de um gol tão bonito, porém menos simbólico, que o de Maradona, no Maracanã na vitória do "English Team" sobre o Brasil em 1984.
Detalhes tiraram o Brasil da semifinal contra a Alemanha e colocaram a Argentina, apesar da genialidade de Maradona, para enfrentar a Bélgica.
Hoje um grupo faria escândalo com o golaço de Maradona nas quartas e outro se debruçaria sobre o gol de mão, com todos os ângulos possíveis, até a exaustão. Histeria demais.
Em 1986 também era mais fácil torcer pela Argentina por conta do preconceito com os alemães, que "jogavam algo parecido com futebol", segundo Jô Soares. De fato, aquela seleção que misturava a geração derrotada de 1982 com os que seriam campeões em 1990 não era brilhante, mas competitiva. Sem contar que, se vencesse, seria tri como o Brasil.
Só não dá para comparar com a França atual. Campeã, também "cascuda", mas com o talento de Tchouaméni, Theo Hernández, Griezmann e Mbappé. Se Messi vencer não será "a vitória do futebol", convenhamos. Mais uma narrativa - olha ela aí - bastante questionável.
Definitivamente, era mais fácil torcer para Maradona em 1986. Bem mais. Saudades, Diego!
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