Todo torcedor é meio técnico e tem memória curta
Todo brasileiro que gosta de futebol se sente "meio técnico". Está é até uma frase entres os amantes da bola.
Todo brasileiro que gosta de futebol, gosta também de dar seus palpites na convocação à seleção brasileira ou na escalação do time de coração.
Alguns se sentem especialistas só de acompanhar tantos programas esportivos, páginas na internet, redes sociais e aos debater sobre futebol. O volume de informações hoje é muito grande, em tempo real ou quase isso.
Mas falar de futebol é falar em tradição história. Os maiores feitos dos clubes estão sempre no passado, quando o caneco foi levantado.
Mesmo com a comemoração, o clube já está de olho no próximo objetivo, pois aí vem à tona outra frase comum entre as pessoas que trabalham com futebol: "torcedor tem memória curta".
A vida de um jogador e, principalmente, da comissão técnica, depende muito mais das vitórias do que do trabalho ou planejamento. Ganhou o jogo, está ótimo. Foi campeão, maravilha. Mas se perder, o jogador vira perna de pau, o professor vira burro e tudo se tronar ruim ou errado.
A maioria das pessoas tem a mania de ignorar o passado e muitas vezes acaba deixando que a nossa história não seja repassada aos mais jovens. Desta forma, grandes nomes do futebol caem no esquecimento popular.
Jogadores que contribuíram para a história do clube que deveriam ser tratados como lendas são esquecidos ou desconhecido dos jovens, até mesmo dos que se dizem mais entendidos.
Quando se trata de técnicos, o esquecimento é até mais cruel.
Se alguém perguntar sobre treinadores brasileiros em grandes times da Europa que disputaram a Liga dos Campeões, provavelmente boa parte dos leitores deve lembrar de imediato de Vanderlei Luxemburgo, no Real Madrid, ou de Luiz Felipe Scolari, no Chelsea.
Mas, para minha surpresa e falta de conhecimento, descobri recentemente que outros nove brasileiros — além de Sylvinho, recentemente no Lyon — já estiveram no comando de times na mais badalada competição, depois da Copa do Mundo, é lógico.
Ao buscar mais informações para saber por quê os nossos técnicos não ganham destaque na Europa, tive a oportunidade de colher a opinião de um dos profissionais mais vitoriosos do país: Vanderlei Luxemburgo, que comandou o galáctico Real Madrid, em 2005. À época, era o time mais badalado do mundo, pois tinha o elenco craques como Ronaldo Fenômeno, Zidane, Raúl, Beckham, Roberto Carlos, Figo...
De acordo com Luxa, "além do problema da língua, por ser fundamental na comunicação, outra barreira que existe, dependendo do país em que se vá trabalhar, o mercado não foca no treinador". Ele explica:
"O mercado foca apenas o talento do jogador brasileiro, que ironicamente são preparados por técnicos brasileiros desde a base, mas não observa os próprios treinadores brasileiros. Há técnicos muito bons no Brasil que mereciam uma oportunidade de disputarem competições europeias pela capacidade que tem."
Em partes, este problema se dá pela maneira em que o Brasil foi sendo construído.
Em muitos países se fala dois ou mais idiomas. Mas nós estamos isolados no continente por sermos os únicos da América do Sul a falar português, uma vez que nas demais nações a língua mãe é o espanhol.
Para piorar, estudar outro idioma na infância e na adolescência não é acessível a todos no nosso país, ainda mais no futebol onde a origem da grande maioria é pobre.
Vou colocar a lista com os nomes dos 12 treinadores que tiveram a oportunidade de disputar a Liga dos Campeões da Europa, e vocês irão observar que a porta de entrada para a maioria foi Portugal ou a seleção brasileira:
1. Flávio Costa: Foi técnico do Flamengo, Vasco, Santos, São Paulo, Bangu, Portuguesa-RJ, Portuguesa-SP, Colo-Colo, Porto e seleção brasileira na Copa do Mundo de 1950. À frente do Porto, disputou duas edições da Liga dos Campeões 1956/57 (à época o torneio ainda se chamava Taça dos Clubes Campeões Europeus).
2. Otto Glória: Único treinador brasileiro a chegar a uma final com o Benfica ao perder a decisão para o Manchester United, em 1968. É o que tem mais participações na competição, com seis edições (1957/58, 1961/62, 1966/67, 1967/68, 1968/69, 1969/70).
3. Didi: Apontado como o melhor jogador da Copa do Mundo da Suécia-58, comandou Sporting Cristal, Botafogo, River Plate, Fenerbahce, Fluminense, Cruzeiro, Atlético-MG, Al Ahli, Fortaleza, São Paulo, Alianza Lima, Bangu e Kuwait.
4. Osvaldo Silva: Fez a sua carreira em Portugal e despontou no Sporting. Dirigiu a equipe lisboeta na Liga em 1974/75.
5. Carlos Alberto Silva: Campeão brasileiro com o Guarani, em 1978, comandou ao todo 18 equipes e a seleção brasileira. A sua participação na principal competição de clubes da Europa ocorreu em 1992/93, com o Porto.
6. Sebastião Lazaroni: Treinador da seleção brasileira na Copa da Itália-1990, disputou a Liga com Fenerbahce em 1996/97. Foi o responsável por dirigir o time turco que encerrou a longa invencibilidade do Manchester United no Old Trafford por competições europeias, que durava 40 anos, em outubro de 1996.
7. Ricardo Gomes: Logo após pendurar as chuteiras, o ex-zagueiro assumiu o comando do Paris Saint-Germain, time que defendeu como jogador entre 1991 e 1995. Esteve à frente do PSG na Champions na edição 1997/98.
8. Vanderlei Luxemburgo: Ganhador de cinco títulos do Brasileirão e também com passagem pela seleção brasileira, além de outros grandes clubes do país, assumiu o Real Madrid na temporada 2004/05 e 2005/06.
9. Zico: Um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro, o Galinho de Quintino comandou as seleções do Japão e Iraque entre outros clubes. Esteve à frente do Fenerbahce na Liga 2007/08 e depois pelo Olympiacos em 2009.
10. Luiz Felipe Scolari: Pentacampeão mundial com o Brasil em 2002, também comandou a seleção portuguesa antes de assumir o Chelsea, clube que dirigiu na Champions de 2008/2009.
11. Leonardo: Tetracampeão mundial com a seleção brasileira como lateral, comandou dois grandes clubes da Itália na Liga dos Campeões: Milan (2009/10) e pela Internazionale (2010/11). Hoje exerce a função de diretor de futebol do PSG, finalista da Liga dos Campeões 2019/20.
12. Sylvinho: O ex-lateral esquerdo do Corinthians foi o último brasileiro a comandar um time importante da Europa. No meio do ano passado, trocou a direção da seleção olímpica do Brasil para assumir o Lyon. Foi o primeiro treinador brasileiro na Liga depois que Leonardo caiu com a Inter de Milão nas quartas de final de 2011. Mas a sua experiência na França durou apenas 11 partidas oficiais até ser demitido.
* Com colaboração de Augusto Zaupa
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