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A última Copa de Messi e CR7

As principais histórias do último mundial dos melhores jogadores do século

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cristiano Ronaldo e o poder de transformar um dia ensolarado em chuvoso

Cristiano Ronaldo é o grande nome da seleção portuguesa na Copa do Mundo no Qatar - Gualter Fatia/Getty Images
Cristiano Ronaldo é o grande nome da seleção portuguesa na Copa do Mundo no Qatar Imagem: Gualter Fatia/Getty Images

Colunista do UOL

17/11/2022 16h31

Era uma manhã de pouco calor, mas de muito sol em Turim. Céu limpo. A primavera ainda dava os seus primeiros passos em solo italiano. No dia anterior, eu havia estado frente a frente com Cristiano Ronaldo. Uma longa entrevista exclusiva para um documentário de três capítulos para uma emissora britânica.

Conversamos essencialmente sobre os três jogos mais marcantes do ponto vista individual na vitoriosa carreira do craque português: Sporting 3-1 Manchester United (amistoso festivo de 2003), Real Madrid 3x0 Wolfsburg (quartas de final da Liga dos Campeões de 2015/16) e Portugal 1-0 França (final da Eurocopa de 2016).

Entre pausas para café(s), bate-papo informal, brincadeiras sobre o Brasil e, sobretudo, árduo trabalho orquestrado de forma quase cinematográfica, Ronaldo falava na gravação com uma propriedade nunca antes vista nos meus 15 anos no jornalismo esportivo. Também muito solicito e profissional. Um tapa de luva de pelica na minha cara lavada, à espera honestamente de um personagem histórico pouco simpático e com o rei na barriga.

Sorridente, o ainda atacante da Juventus acreditava fielmente em tudo aquilo que me contava. Tudo. Exalava segurança, num misto de confiança e prepotência do bem. Como, por exemplo, quando encheu o peito para dizer que se considerava o maior jogador da história do Real Madrid. Ou ao revelar que vez ou outra acorda com a certeza de que vai marcar pelo menos dois gols em uma partida específica.

Foram mais de seis horas de produção. Fui embora exausto, porém radiante. Eufórico. A caminho do hotel, fechava os olhos e sabia que tinha em mãos um conteúdo único e especial. Mais do que isso, sentia que havia acabado de ouvir - sem a necessidade de terceiros - um ser humano capaz de me fazer acreditar no inacreditável.

Dormi e acordei com a mesma sensação: como é possível tamanha "prepotência" numa entrevista? No aeroporto, quando já aguardava o voo de volta para Lisboa, onde moro desde 2015, resolvi comprar uma garrada de água. Na mesa ao lado, vi uma senhora sentada, acompanhada de um homem alto e parrudo. Demorei a acreditar na coincidência. Era Dolores Aveiro, mãe de CR7.

Com a boa e velha cara de pau de costume, resolvi falar com ela. Sem querer incomodar, me apresentei e expliquei prontamente o motivo da minha presença na Itália. A recepção foi melhor possível: um sorriso de orelha a orelha. A conversa foi muito rápida. Antes de sair, disse uma frase que "me persegue" desde então. Vem à tona sempre que escrevo ou comento (bem ou mal) algo do filho dela.

"Está vendo o sol forte lá fora? Se o Cristiano chegasse aqui e falasse que começaria a chover dentro de dois minutos, eu acreditava na hora", contei, entre outras palavras, arrancando uma risada tímida da minha inusitada e momentânea companheira de fila de espera de embarque.

Hoje aos 37 anos e repleto de polêmicas nos últimos meses, Cristiano Ronaldo continua o mesmo. Seguro. Decidido. Narcisista também. Confia tanto, tanto em si próprio, ao ponto de conceder uma entrevista bombástica ao jornalista inglês Piers Morgan, onde, sinceramente, teve muito mais a perder do que a ganhar.

Ignorou conselhos e resolveu abrir o livro. Sem papas nas línguas. Foi, sim, desrespeitoso. Gerou um mal-estar gigante na Inglaterra e também na seleção portuguesa, que estava pronta para começar a preparação para a Copa do Mundo. A princípio, fechou as poucas portas abertas que ainda existiam no mercado de transferências.

Falou o que falou porque acredita rigorosamente no sucesso no Qatar e, consequentemente, no retorno da sua "normalidade" a partir de janeiro. São mais de 20 anos no futebol provando que pode (praticamente) tudo. Que promete e cumpre. Que é diferenciado. Que parece ter saído de um filme de ficção. Sobretudo, que é exatamente aquela pessoa capaz de transformar de repente um dia ensolarado em chuvoso, quase como num toque de mágica.

Quem sou eu para desconfiar dos poderes de Ronaldo? Entretanto, como jornalista e comentarista, analiso (respeitosamente) atitudes e contextos, erros e acertos daquele tem créditos de sobra para sonhar e fazer sonhar. Me dou ao luxo de compreender e também criticar duramente a estratégia por trás das equivocadas decisões de 2022 do ídolo português.

O egocentrismo que fez de Cristiano Ronaldo um dos maiores de todos os tempos é o mesmo egocentrismo que agora começa a ser altamente prejudicial. Para o Manchester United. Para a seleção portuguesa. Para o futebol. Acima de tudo, para ele.