Antero Greco - Garfaram a grandeza do São Paulo
O torcedor do São Paulo anda fulo da vida. Com toda razão. Há mais de uma década, entra ano, sai ano, e só se acumulam frustrações. A mais recente foi a desclassificação na Copa do Brasil, com duas derrotas por 1 a 0 para o Bahia. A fama de papa-títulos aos poucos vira só uma linda imagem do passado.
Virou lembrança o time que antes dobrava adversários locais, nacionais, sul-americanos, intercontinentais - bateria até em rival de outras galáxias, se topasse algum pela frente. O bicho-papão hoje não mete mais medo em ninguém. Perderam o respeito pelo tricampeão mundial, garfaram a grandeza do Tricolor.
Culpa de quem? Dos que mandam no clube. Pode parecer lugar-comum, mas é a realidade. O grupo que faz rodízio no poder há décadas saiu do rumo quando aprovou mudanças nos estatutos e permitiu reeleições de Juvenal Juvêncio, no embalo do tricampeonato brasileiro de 2006/07/08. E, com eles, descarrilhou também a equipe.
A ilusão de que o São Paulo era insuperável levou todo mundo no bico. A cartolagem deitou na glória, e o resultado é o que se vê agora: mais de duas dezenas de eliminações em mata-matas, papel de coadjuvante em qualquer torneio. Só um título, o da Sul-Americana de 2012, e contra um nanico argentino (Tigre) que fugiu de campo, no Morumbi, no intervalo da decisão. Pouco, constrangedor para quem tem taças de tudo quanto é formato e origem.
Dói ver no que transformaram o São Paulo. Quando comecei no Jornalismo Esportivo, em 1970 e lá vai fumaça, este foi o primeiro clube que cobri. Na época, era modelo de gestão, muito à frente de Santos, Palmeiras e Corinthians. O estádio era referência, assim como métodos de preparação, alojamentos, centro de treinamentos e de recuperação. Era top, era um aprendizado acompanhar o dia a dia são-paulino.
De quebra, o clube distribuía craques (ou jogadores muito bons) a cada fornada que saí das categorias de base. O São Paulo fazia inveja e beliscava troféus com incrível regularidade. Era tão forte que superou turbulência política provocada por polêmicas na gestão Mesquita Pimenta, no início dos anos 90. (Ele foi afastado do quadro associativo e readmitido anos depois.) Os títulos continuaram a vir, e isso encobria falhas.
Mas ali estava o germe do descompasso que se tornaria evidente nos anos 2000. Juvenal Juvêncio conseguiu vários mandatos, na década passada, era figura folclórica ("O São Paulo é difereeeen-tche", lembram?) e personificou a mudança de mentalidade tricolor. Sem que o público notasse, era o declínio a corroer uma instituição de peso. (Nem vou falar aqui do desastre do retorno de Carlos Miguel Aidar à presidência, tempos atrás, mesmo cargo que havia ocupado nos anos 80...)
O São Paulo se fossilizou na política - e os desdobramentos a gente vê na condução do futebol. Para se ter uma ideia de como não sabe o que quer: entre 1999 e 2009 passaram pelo Morumbi 11 treinadores. De 2009 para cá são 29! Média de três técnicos por ano. Na estatística, não entram os inúmeros diretores desse setor vital e razão principal da legenda tricolor.
Isso está mais para retrospecto de time pequeno, que apela para trocas sempre que topa com crise. Jogadores de qualidade continuam a surgir, porém vão embora cada vez mais cedo. O São Paulo virou vendedor, por necessidade. A direção reza para ter alguma joia para negociar com gringos e assim equilibrar finanças; vende almoço para comprar o jantar.
Por outro lado, despeja rios de dinheiro em contratações, muitas vezes de veteranos que desembarcam de longo período no exterior para encerrar carreira por aqui. São apresentados como consequência de jogadas de mestre nos bastidores... Sei... Basta pegar a lista de "reforços" trazidos, por exemplo, nas duas últimas temporadas. Quantos vingaram?
Para não dizer que não falo da minha categoria, a imprensa tem sua parcela de responsabilidade. Até bem pouco tempo, o rigor com que se criticavam Palmeiras e Corinthians - ou mesmo o Santos - não se via em relação ao São Paulo.
Ainda por causa do prestígio do passado, as mancadas de cartolas, treinadores e atletas eram suavizadas. E, ao menor sinal de reação positiva... pronto, lá estava de volta o grande São Paulo! Até a nova decepção dar o ar da desgraça.
Esse tipo de ilusão já não engana o torcedor. Os corintianos já festejaram um título (que seja o Paulista, mas é título) e estão em outras frentes de batalha; os palmeirenses ostentam elenco milionário e se mantêm na corrida na Libertadores, na Copa do Brasil, no Brasileiro.
O que resta ao São Paulo? A Série A, última esperança em 2019. Mas, sinceramente, você acha que tem gás para brigar pelo título? Tenho sérias dúvidas.
Quando, afinal, vão nos devolver o grande São Paulo que aprendemos a temer e respeitar?
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