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Antero Greco: Jesus e o medo dos técnicos brasileiros com o mercado

Alexandre Vidal/Flamengo
Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

12/07/2019 04h00

A estreia de Jorge Jesus sob o comando do Flamengo foi discreta. Não no comportamento, pois nesse quesito o português se mostrou à vontade, com gestos e gritos para orientar jogadores à beira do gramado da Arena da Baixada. Parecia até veterano de casa.

Mas no desempenho. A equipe oscilou, no empate por 1 a 1 com o Athletico, na noite de quarta-feira. Primeiro tempo instável, segunda etapa melhor. No final, placar tranquilo para o duelo de volta pela Copa do Brasil. (Com um erro da arbitragem: não dar vermelho para Diego Alves, por pegar a bola com as mãos fora da área, logo no início.)

Só que não pretendo abordar neste bate-papo semanal o rendimento do rubro-negro carioca. Por justiça, prefiro esperar mais algum tempo para avaliação adequada. Por ora, mantenho a expectativa, sem grandes ilusões de que venha revolução no futebol, e também sem ficar com os pés atrás. Não custa nada deixar Jesus mostrar serviço com calma e depois elogiar ou criticar.

Interessa-me a reação inicial de quem o enfrentou, do lado de fora do campo - no caso Thiago Nunes. O comandante do Furacão mordeu e assoprou, ao falar do colega após o jogo. O jovem e talentoso treinador fez as considerações de praxe e superficiais sobre o rival, porém deixou escapar incômodo ao insinuar que nos deixamos fascinar por "sotaque" diferente. Destacou ainda que o Athletico faz tempo que joga à maneira europeia e moderna.

Também considero que "sotaque" não seja carimbo de excelência - nem de falta de embromação. Observações, portanto, desnecessárias essas do Thiago Nunes. (Escrevi desnecessárias e não "mal-educadas", pois grosseiro ele não foi.) Entendo a vontade de firmar-se na profissão, e isso virá naturalmente. Thiago tem virtudes de sobra e, ao que tudo indica, em breve será um dos nossos "professores" de ponta. Torço por ele, está no caminho certo.

Só não cabe a comparação. Até onde percebi, ninguém criticou o trabalho dele, nem colocou o Athletico em situação inferior à do Flamengo por conta do valor e da experiência dos respectivos técnicos. No máximo, se disse que o clube carioca tem elenco melhor; isso é constatação e nem significa que passará para as semifinais. O Furacão provou valor.

A atitude de Thiago Nunes é reação de quem se sente incomodado por elogios dirigidos para outros. Ou de quem teme perder mercado. Claro que ele não faz isso de caso pensado, por maldade ou por sentimentos baixos. É instintivo, vem à tona sem perceber, como toda prevenção. Também não foi o primeiro, nem será o último a agir assim. Já vimos anteriormente outros treinadores patrícios fazerem as mesmas restrições quanto à capacidade dos colegas de fora, quando aqui vieram Gareca, Osorio, Rueda...

E é disso que se trata: resistência a quem não é "dos nossos". Estrangeiros são vistos com reserva, em qualquer profissão, em qualquer país, em qualquer tempo. Talvez com maior intensidade nos dias atuais, em que o egoísmo e os preconceitos são difundidos com mais facilidade. Porém, é caminho sem volta. Por mais que se tente barrar os imigrantes, eles sempre existirão, serão necessários e mudarão culturas.

Para ficarmos só no futebol, o exemplo desse movimento está na Europa. Veja a contradição: justamente no continente em que se combatem correntes migratórias com leis duras é onde há a maior presença de estrangeiros. Os grandes clubes garimpam talentos em todas as partes do mundo e muitas vezes pagam fortunas por eles. Os nativos esperneiam à toa.

Brasileiros estão entre os grupos principais de imigrantes da bola. Há décadas exportamos boleiros medianos, bons, ótimos, excelentes, foras de série e... também cabeças de bagre. Em menor quantidade, também mandamos treinadores para fora, para fazerem seus pés de meia. Com exceções (dos que quebram a cara), eles se sentem gratificados pela oportunidade.

Ou seja, assim como vamos para fora, para crescer, aprender, ganhar a vida, e não gostamos de ser tratados com desconfiança, da mesma maneira devemos acolher imigrantes sem temê-los. A troca de experiências, de cultura e de conhecimento é enriquecedora, todos têm a ganhar com ela. Quem briga por "reserva de mercado" se fecha e tende a marcar passo. Pior: com o tempo será passado para trás. Vale para todo mundo.

Seja Thiago Nunes, seja Renato Gaúcho ou Eduardo Baptista ou Luxemburgo... enfim, seja lá quem for, nenhum treinador deve temer por eventual sucesso de Jorge Jesus. Se isso ocorrer, que bom! Que sirva de exemplo e de desafio para que os nossos evoluam, se aprimorem, ousem e mostrem que são excelentes no que fazem. Fechar a cara, sim, é sinal de baixa autoestima e falta de confiança no próprio taco.

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