Zaidan: Também no futebol, cresce a desigualdade
Quando Zico foi vendido para a Udinese, em 1983, torcedores do Flamengo protestaram no Rio de Janeiro; outros milhões de flamenguistas espalhados pelo Brasil lamentavam a saída do mais importante jogador da história do clube. O Flamengo recebeu 4 milhões de dólares. É claro que o dólar naquela época tinha valor de compra superior ao que tem hoje, mas o fato é que, mesmo fazendo a devida correção, o dinheiro que a Udinese pagou por Zico seria, atualmente, suficiente, quando muito, para a contratação de um jogador mediano, nunca para levar um dos melhores da história do futebol. E Zico estava, então, em seu auge.
Três anos antes de o Flamengo perder seu maior artilheiro e principal responsável por um caminhão de títulos (incluindo uma Libertadores e um mundial de clubes), o Internacional viveu drama idêntico: a saída de Paulo Roberto Falcão, o formidável meio-campista que havia sido campeão brasileiro pelo Colorado em 75, 76 e 79. A ida de Falcão para a Roma foi um dos marcos da reabertura do mercado italiano para jogadores estrangeiros.
Na Copa de 66, a Itália perdeu para a Coreia do Norte e foi eliminada do Mundial muito antes do que se imaginava. O resultado, talvez a maior surpresa da história das Copas, levou os italianos a fecharem as portas de seus clubes para jogadores de outros países, sem afetar, no entanto, a situação dos estrangeiros que já estavam por lá. Era uma maneira de recuperar a força da seleção, mesmo causando prejuízo técnico para os clubes da Bota.
Não acho que esse fator tenha sido relevante, mas o certo é que a Itália foi campeã europeia em 68 e chegou à decisão da Copa de 70, quando perdeu para o Brasil por 4 a 1. O mercado italiano ficou fechado por 14 anos. Encerrada a proibição, os clubes da Itália foram às compras. Falcão ainda não havia disputado nem sequer uma Copa do Mundo (sua ausência em 78 foi um erro inexplicável de Coutinho), mas os dirigentes da Roma sabiam que o camisa 5 do Inter era um craque, um jogador de qualidades incomuns, e o levaram.
A Roma foi recompensada por cada dólar que pagou ao Inter. Com Falcão, o time ganhou duas Copas da Itália, foi campeão italiano (o que só havia conseguido em 1942) e ainda chegou, na temporada 83-84, a uma decisão da Copa dos Campeões da Europa, perdendo nos pênaltis para o Liverpool.
Se Zico jogasse nestes dias e já acumulasse os feitos que tinha em 83, a Udinese não conseguiria contratá-lo; por outro lado, não ele teria ficado tanto tempo no Flamengo. Falcão, igualmente, teria ido embora provavelmente logo depois de seu primeiro título brasileiro. Hoje, craques de tal nível iriam diretamente para Real Madrid, ou Barcelona, ou Bayern, ou Paris, ou para algum dos clubes milionários da Inglaterra.
Outra hipótese: sairiam, ainda muito jovens, para clubes médios europeus, onde ficariam uma temporada antes de seguirem para um dos gigantes que citei acima, como aconteceu com Romário e Ronaldo. Também o Napoli não iria, nestes tempos, disputar Maradona com os endinheirados. Sim, o melhor e principal jogador da história do Napoli até poderia sair do Barcelona, mas teria partido para outro dos grandes europeus.
Convenhamos, fossem as circunstâncias idênticas às de hoje, Jairzinho, Paulo Cézar, Sócrates, Cerezo, Junior e Careca--- para ficarmos em poucos exemplos--- seriam contratados pelos clubes que têm muita grana. Talvez até mesmo o forte e tradicional Atlético Madri teria dificuldades para levar Luís Pereira e Leivinha.
Por outro lado, dadas as mesmas condições de hoje, o futebol brasileiro não conseguiria trazer Pedro Rocha, ou Figueroa, ou Ramos Delgado, ou Perfumo; nem Artime, ou Cejas, ou Mazurkiewicz. Mais grave: Ademir da Guia, Rivellino, Tostão, Gerson, Carlos Alberto, Clodoaldo, Reinaldo, Dirceu Lopes e muitos outros jogadores extraordinários iriam embora depois de uma ou duas temporadas em campos brasileiros. Pelé e Garrincha talvez saíssem meros seis meses depois de vistos pelo mundo.
O mercado do futebol mudou radicalmente, resultado de uma soma de fatores: a União Europeia e seus estatutos, a lei Bosman e a compra de clubes por novos e velhos ricos. Jogadores de países da União Europeia deixaram de ser considerados estrangeiros em qualquer outra nação do bloco; atletas de outros continentes ou de países europeus alheios ao grande consórcio passaram a ter facilidade muito maior para a obtenção de cidadania na Comunidade; e os clubes com muito dinheiro, sem as restrições anteriores, passaram a montar seleções. Ficou para trás o tempo em que o Nottingham Forest e o Aston Villa ganhavam a Copa dos Campeões. É fato que o bolo tem divisão mais equilibrada e inteligente na Inglaterra, e é certo que a Espanha caminha na mesma direção. Mas parece óbvio que, também no futebol, cresce a desigualdade.
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