Zaidan: Campeonato por pontos corridos ou mata-mata? Os dois são bons
A campanha do Flamengo no Brasileiro reanimou os que só se divertem com mata-mata. Já havia acontecido no primeiro semestre, quando parecia que o Palmeiras não seria alcançado. A liderança folgada de um time teria, na opinião dos que não gostam de campeonato por pontos corridos, o efeito de um sonífero. Mas não é o sistema de disputa que determina a qualidade de uma competição esportiva.
A Fórmula 1 usa a soma de pontos para determinar seu campeão; a NBA, depois de uma longa temporada regular por pontos corridos, tem sua série de confrontos diretos em até sete jogos nas conferências, até ao embate final pelo título da Liga, quando também há possibilidade de até sete partidas. No futebol, são muitos os torneios disputados no mata-mata, seja integralmente, como acontece nas copas nacionais e, por enquanto, no Mundial de Clubes, seja parcialmente, como ocorre na Copa do Mundo e nas copas continentais de seleções ou de clubes.
Os principais campeonatos nacionais da Europa são disputados no sistema de pontos corridos, em turno e returno, com diferenças apenas nos critérios de desempate. Qualquer desses modelos pode produzir sucesso técnico e financeiro, mas nenhum deles é receita universal; nenhum deve ser encarado como sistema ideal e aplicável a todas as competições. Não é modo de disputa que estabelece hegemonias.
As crescentes desigualdades têm a ver com o desequilíbrio na distribuição de recursos e com a escolha dos clubes pelos investidores. No caso europeu, o aumento da diferença está relacionado também com a legislação do Bloco, que resultou na formação de seleções internacionais pelos clubes endinheirados, incluindo os novos ricos.
É claro que a diferença na capacidade de investimento do Paris Saint Germain em relação aos seus concorrentes locais, se mantida por muitos anos, pode fazer do campeonato francês um duradouro tédio. Mas quando havia notável equilíbrio entre os times, seus craques se mandavam para outros países; aconteceu com Platini, Zidane, Vieira e Henry—- para ficarmos em poucos exemplos. O Paris, com a grana do Catar, inverteu as coisas: tirou Neymar do Barcelona e evitou que M'bappe saísse do Monaco para algum clube rico de outro país europeu, além de ter contratado Cavani, Di Maria, Thiago Silva, Daniel Alves e Buffon.
Por causa desse movimento, a liga francesa passou a ser transmitida para várias partes do mundo, atraiu patrocinadores e levou mais dinheiro para o futebol local. Na Alemanha, o Dortmund tenta evitar que a sequência de títulos do Bayern se transforme em monotonia; e o Leipzig, que também tem orçamento considerável, mostra que outros clubes alemães podem se enfiar na disputa pelo topo. Mas a força financeira do Bayern consegue valorizar o campeonato e segurar talentos nos campos germânicos.
Os espanhóis não correm o risco de que um único clube monopolize o título nacional. É cada vez mais difícil, porém, que os tradicionais Sevilla, Valencia e Bilbao tirem a taça do Real Madrid ou do Barcelona; mesmo o Atlético de Madri não pode ir além de conquistas ocasionais no campeonato espanhol. A possibilidade de monopólio só existirá no caso de a Catalunha tornar-se independente (mesmo assim, haveria alguma chance de Barcelona e Espanyol continuarem disputando o campeonato espanhol, desde que, é claro, os ressentimentos e a situação política não inviabilizem um convite.). É óbvio que a grandeza de Real Madrid e Barcelona provocam incômodos, mas também não há dúvida de que o prestígio internacional e a força de ambos valorizam a liga nacional e garantem milhões de euros para todos os outros clubes da primeira divisão da Espanha.
Na Itália, a impressionante fila de conquistas da Juventus não diminuiu o interesse pelo campeonato, até porque o domínio da Velha Senhora será progressivamente desafiado. Nesta temporada, aliás, o favoritismo da Juventus deverá ser testado pela Inter, que se reergue, e pelo Napoli, que segue em busca de um scudetto que não venha pelos pés de Maradona. Também a Roma tem recursos para, daqui a duas ou três temporadas, voltar a ter um time forte; a Lazio, por sua vez, parece continuar apostando suas fichas exclusivamente nas copas.
O campeonato inglês é, hoje, o mais rico do mundo, com orçamento na casa dos bilhões de libras. Todos os clubes das duas primeiras divisões ganham muito dinheiro. Obviamente, o Brexit produz dúvidas. O certo é que nenhum executivo do futebol inglês levaria a sério qualquer ideia de se abandonar o sistema de pontos corridos, pois isso seria equivalente a desprezar um negócio muito rentável e colocar em risco a força técnica de seus times. Não é por acaso que Guardiola e Klopp estão por lá. Campeonatos por pontos corridos facilitam o planejamento de clubes, treinadores, investidores, patrocinadores e emissoras de rádio e de TV; garantem mais estabilidade no emprego de milhares de jogadores; e premiam, no campo, os melhores trabalhos.
O mata-mata, por sua vez, viabiliza os grandes torneios internacionais e as copas nacionais, além de ser meio quase infalível para jogos memoráveis. Os dois modelos são imprescindíveis, mas nenhum deles permite, a priori, a certeza de um grande futebol. Tal tarefa é dos craques e dos treinadores. Se um time dispara em um campeonato por pontos corridos, cabe aos outros buscarem competência.
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