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Zaidan: A crise e a grandeza do Botafogo.

Garrincha dribla Mel Hopkins, de País de Gales, em jogo pela Copa do Mundo de 1958 - AFP PHOTO/INTERCONTINENTALE
Garrincha dribla Mel Hopkins, de País de Gales, em jogo pela Copa do Mundo de 1958 Imagem: AFP PHOTO/INTERCONTINENTALE

11/11/2019 04h00

Já perdi a conta das vezes em que, de uns tempos pra cá, ouvi debates sobre a situação do Botafogo. Nada a ver com a posição do time no campeonato, ou com a mudança de técnico, ou com o fundo de investimento que parece ser a única saída para o clube. O que discutem é a grandeza do Botafogo.

Algumas dessas conversas são sérias, mantidas por gente que descarta falsas polêmicas; mas há os debates primários e indigentes. Vez ou outra, estou a léguas de distância, escutando aquela prosa com a qual os debatedores parecem tentar definir uma medida capaz de estabelecer o tamanho de uma instituição. Mas há histórias que não podem ser mensuradas. E, ao fim, é uma história o que pretendem medir.

Sei que há, pelo mundo, agremiações que podem ser definidas em sua largura e em sua estatura, e cuja existência nunca interferiu na importância do futebol, nem o fez ficar menor ou maior, nem participou de algum de seus momentos épicos. Mas há os clubes que se fizeram imprescindíveis para a grandeza do futebol e até mesmo para o melhor da história da Copa do Mundo. Entre estes está o Botafogo.

No jogo que deu ao Brasil seu primeiro título mundial, em 58, contra a Suécia, estavam em campo três jogadores de General Severiano: Nilton Santos, Didi e Garrincha. Quatro anos depois, o Brasil faturou sua segunda Copa. Na decisão, contra a Tchecoslováquia, cinco botafoguenses foram titulares: Amarildo, Zagallo e o extraordinário trio de 58. Zagallo também foi campeão na Suécia, mas ainda como jogador do Flamengo.

Vale notar que, naqueles dois Mundiais, Zagallo ficou com a vaga de Pepe, que se contundiu dias antes da estreia. No Chile, Pelé se machucou no segundo jogo da Copa, e Amarildo recebeu a honrosa e dificílima tarefa de substituí-lo; deu conta do recado, como se sabe.

O time titular do Brasil na Copa de 62 era quase um combinado de Santos e Botafogo. O "quase" ficou por conta de Zózimo, do Bangu, e de Djalma Santos e Vavá, ambos do Palmeiras; aliás, Vavá, excepcional artilheiro, voltou a ser titular depois que o genial Coutinho sofreu uma lesão grave em um amistoso contra Gales, duas semanas antes de a seleção estrear no Mundial. A ausência de Pelé desde o terceiro jogo, além de mudar a carreira de Amarildo, mexeu com a disposição de outro fenômeno: Mané Garrincha.

Todo o mundo esperava que o ponta brasileiro simplesmente repetisse o que havia feito em 58, isto é, driblasse quem aparecesse pela frente e fizesse seus cruzamentos costumeiramente precisos para Vavá. Mas ele fez muito mais. Decidido a impedir que a seleção sofresse além da conta a falta de seu principal jogador, Mané mostrou ser capaz de um espetáculo ainda maior e mais rico que sua rotina de jogadas espantosas.

E o Didi? Seu jogo realizava a idealização do meio-campista. Didi foi um dos melhores que o mundo viu. O Botafogo foi o único clube na vida de Nilton Santos, que não precisou de outra camisa para ser reconhecido como enciclopédia do futebol.

E veio a geração seguinte, com Nei, Rogerio, Gerson, Jairzinho, Roberto e Paulo Cezar; permaneceu o Manga, melhor goleiro da história do clube. Resultado: dois títulos estaduais seguidos e um brasileiro. Gerson e Jairzinho foram titulares de Saldanha na seleção que venceu todos os jogos no classificatório para a Copa no México.

Paulo Cezar também foi utilizado na campanha. No Mundial, sob comando de Zagallo, não houve partida em que Jairzinho não marcasse gol—- foram sete em seis jogos. Gerson, que já havia trocado o Botafogo pelo São Paulo, jogou um futebol extraordinário nos campos mexicanos. Paulo Cezar foi titular contra a Inglaterra, então campeã mundial, e contra a Romênia.

Outros dois botafoguenses foram convocados: Roberto Miranda e Rogério, mas este se contundiu (Zagallo, então, resolveu levar um terceiro goleiro e chamou Emerson Leão.). A seleção brasileira que ganhou a Copa em 70 e faturou a Jules Rimet foi a melhor que vi.

A história do Botafogo tem assinatura de Oscar Basso, Carvalho Leite, Carlos Alberto, Fischer, Nilo, Nariz, Tulio, Mauro Galvão, Flávio Ramos, Paraguaio, Afonsinho, Leônidas, Octávio, Dirceu, Marinho Chagas, Hime, Dino da Costa e Paulo Valentim. Lá está a assinatura de Quarentinha, maior artilheiro do clube. O extraordinário Leônidas da Silva, que tinha mania de ser campeão, gravou seu nome com um título. Essa história tem o irrepetível e genial Heleno de Freitas.

E insisto: tem Jair, Paulo Cezar, Manga, Didi, Gerson e Nilton Santos. Mas já bastaria ter Garrincha. É claro que as coisas mudaram para o Botafogo, tendo de lidar com a relação, cada vez maior em todo o mundo, entre o futebol e o dinheiro. Administrações ruins, recursos parcos, times comuns. Veio série B, e cresceram as dívidas, e as conquistas foram se restringindo a ocasionais títulos no estadual do Rio. Talvez o fundo de investimento seja mesmo formado e comece a mudar a situação.

Mas também pode ser que não seja suficiente para permitir que o alvinegro volte a formar esquadrões (o que, de resto, tornou-se difícil para o futebol brasileiro em geral.). A vida do Botafogo não está fácil. É ótimo que sua crise seja discutida, avaliada, mensurada. Mas que a crônica não pretenda questionar o tamanho dessa história. A grandeza do Botafogo durará até ao último apito do último jogo de futebol.

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