Claudio Zaidan: No futebol e no mundo, a iniquidade do racismo
Há pouco tempo, aconteceu com Koulibaly e com Balotelli. Antes deles, em muitos estádios de muitos países, dezenas e dezenas de jogadores foram atingidos. Cada um reagiu de um jeito, cada um sofreu à sua maneira. Só não mudou a canalhice expressa nas ofensas racistas atiradas contra eles.
Na sexta-feira passada, em carta aberta, dirigentes dos vinte clubes da primeira divisão italiana se declararam preocupados com a situação e alertaram para o óbvio: o racismo não desaparecerá magicamente. Em suma, a carta traz a admissão do problema, reconhece a inutilidade das respostas que já foram dadas e expõe a necessidade de medidas fortes e urgentes. É pouco. Pode ser nada se os clubes se limitarem a páginas preenchidas com intenções.
De todo modo, a carta é um ponto de partida. Quando os gritos e gestos de ódio se voltaram contra Balotelli, e feriram sua alma, e trataram-no como estranho em seu próprio país, houve os que reclamaram da reação do jogador, e os que se aborreceram com sua raiva, enquanto relativizavam os insultos.
No dia 17 de Novembro, pela segunda divisão da Holanda, o Excelsior visitou o Den Bosch. O jogo foi bom, terminou 3 a 3, mas não foi o placar que chamou a atenção para além dos Países Baixos; a partida chegou ao noticiário internacional pelo que houve na arquibancada. Lá pelas tantas, torcedores do Den Bosch desandaram a gritar xingamentos racistas contra Ahmad Mendes Moreira, atacante do Excelsior. Não ficaram só nos cânticos estúpidos; partiram para as saudações nazistas. A infâmia virou notícia por conta da manifestação indignada de Wijnaldum. O meio-campista do Liverpool e da seleção holandesa tornou pública sua solidariedade ao conterrâneo. Sim, Ahmad nasceu na Holanda, ou seja, foi vítima da iniquidade em seu próprio chão.
Faz poucas semanas, em outro idioma, o ódio racista teve dois brasileiros como alvo: Taison e Dentinho, jogando pelo Shakhtar, sofreram as injúrias lançadas por torcedores do Dynamo. Bastava um ou outro tocar na bola, e os racistas já retomavam sua estúpida diversão, a saber, imitar macacos. Passados trinta minutos do segundo tempo, Taison, entre surpreso e ofendido, respondeu com um gesto e chutou a bola em direção à arquibancada. O árbitro interrompeu o jogo, os times saíram do gramado, jogadores do Dynamo pediram aos seus torcedores que parassem a canalhice, e um bom jogo tentou sobreviver ao espetáculo grotesco.
Reiniciada a peleja, o árbitro, cioso das regras e indiferente às circunstâncias que provocaram a reação de Taison, expulsou o jogador. Que medida oficial e prática tomou a Federação Ucraniana? Zelando pelas normas, determinou o cumprimento da suspensão decorrente do cartão vermelho. As lágrimas que o mundo viu em Taison e em Dentinho traduziram a mistura de sentimentos de dois trabalhadores que, no exercício de seu ofício, foram feridos pela imoral lama de detritos que escorria desde parte do estádio. Nenhum deles, porém, teve sua dignidade realmente arranhada. Indigno é o racismo, e iníquos são seus portadores e os que o embalam em doutrina, forjando falsas explicações históricas que o sustentem.
Situações parecidas, vergonhosamente parecidas, com as experimentadas por Dentinho, e Taison, e Koulibaly, e Balotelli, e Ahmad, já ocorreram no Brasil, na Rússia, na Argentina, na Espanha, em cantos vários do planeta. Os poucos episódios que citei são parte de incontáveis acontecimentos espalhados pelo mundo e pela história. Fosse o racismo fenômeno ocasional e restrito ao futebol, seria fácil acabar com o problema. Na verdade, o ódio que mostra os dentes nos estádios é reprodução de uma corrupção doutrinária espalhada nas relações sociais e econômicas. No cotidiano, hora depois de hora, essa degradação moral mostra sua cara, derrama seus esgotos.
O racismo foi significativa coluna, embora não a única, de regimes totalitários e criminosos; foi usado por Hitler e Mussolini, foi instrumento de Stalin em suas perseguições aos dissidentes e desafetos, incluindo Trotsky; produziu a segregação na África do Sul; envergonhou as Américas e matou Martin Luther King, um irmão tão especial. Hoje, na Europa, irrompe em centenas de atentados antissemitas, principalmente na Alemanha e na França. O racismo derramou rios de sangue de judeus, árabes, coreanos, chineses, índios, negros, curdos. Não é transmitido por genes, nem por vírus ou bactérias. O racismo se espalha nas palavras. Sim, há palavras que matam. Mas há também a que salva. Jesus Cristo ensinou que o homem se contamina não com aquilo que come, mas, sim, com aquilo que diz.
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