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Zaidan: Copas que faltaram a Leônidas, Domingos e Zizinho

Leônidas da Silva executa bicicleta durante partida pelo São Paulo nos anos 40 - Eduardo Knapp/Folhapress
Leônidas da Silva executa bicicleta durante partida pelo São Paulo nos anos 40 Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

16/03/2020 04h00

Assim que a Fifa presenteou o regime fascista da Itália com o direito de receber a Copa do Mundo de 1934, Mussolini fez chegar um recado aos dirigentes da seleção de seu país: o governo só se contentaria com o título. O jornalista e ex-jogador Vittorio Pozzo, técnico da equipe, cumpriu a missão imposta pelo ditador. Quatro anos depois, em campos franceses, de novo os italianos carregaram para o gramado a pesada exigência de Roma: o troféu mundial.

A Copa de 38 foi a primeira em que o Brasil teve, de fato, chance de ser campeão. Adhemar Pimenta - antes treinador do Bangu, do Madureira e do São Cristóvão - levou para a França um elenco de primeira linha, no qual estavam Batatais, Luisinho, Tim, Perácio, Nariz, Niginho, o cracaço Romeu e os fenomenais Leônidas da Silva e Domingos da Guia. Leônidas, aliás, que em 34 marcou seu primeiro gol em mundiais, foi o artilheiro da Copa de 38: sete tentos em quatro jogos. Seriam cinco partidas e provavelmente mais gols se ele não tivesse desfalcado a seleção brasileira na semifinal, contra a Itália.

Além da contusão de seu excepcional atacante, Adhemar Pimenta teve de lidar com outra desvantagem: o embate com a Tchecoslováquia, 12 de junho, pelas quartas de final, terminou empatado, obrigando as duas seleções a se enfrentarem outra vez, dia 14. O Brasil venceu o jogo, mas ficou sem Leônidas no confronto com a Itália, 16 de junho. O time de Piola e Meazza ganhou por 2 a 1, foi para final e, no dia 19, levantou a taça, depois de derrotar os húngaros por 4 a 2.

Na disputa pelo terceiro lugar, o Brasil, contando com Leônidas, fez 4 a 2 na Suécia. A história continua registrando que Vittorio Pozzo é o único treinador que conquistou duas Copas do Mundo (é razoável debater se Zagallo, campeão em 70, repetiu, em 94, o feito de Pozzo. Sim, o técnico em 94 era o Parreira, mas Zagallo, então oficialmente coordenador, de fato trabalhava como treinador adjunto, contíguo, quase sempre conselheiro).

Três meses depois de a Itália ser campeã, seu governo já enveredava por outros jogos - insanos, mortais. Nos últimos dias de setembro, em Munique, Chamberlain, premiê inglês, e Daladier, chefe de governo da França, ansiosos por apaziguamento, se deixam convencer, chancelam o documento que, por trás de palavreado vago e imprecisões, deixa a Tchecoslováquia nas mãos de Hitler. Obviamente, Mussolini também assina a papelada. Não é sem motivo que o Acordo é chamado pelos tchecos de Traição de Munique.

Chamberlain desembarca na Inglaterra e, diante da multidão que o aguarda, anuncia "Paz para o nosso tempo". É aplaudido por muitos. A verdade, porém, é recolocada quando Churchill diz ao primeiro-ministro: Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra; tereis a guerra. Outubro começa com soldados alemães ocupando os sudetos. As botas nazistas pisavam a "Paz de nosso tempo", e Hitler zombava do apaziguamento sonhado por Chamberlain e Daladier. Menos de um ano depois, nas primeiras horas do setembro de 1939, tropas germânicas entraram na Polônia. Sem alternativa, Reino Unido e França declaram guerra contra a Alemanha. Começava o maior conflito militar da história.

Durante seis anos, a Segunda Guerra espalhou morte, perseguição racial, antissemitismo, traição, resistência, vilania, heroísmo. Morreram dezenas de milhões. É claro que competições esportivas internacionais foram suspensas. O futebol se restringia, onde era possível, aos campeonatos domésticos. A Copa do Mundo prevista para 42, por óbvio, nem foi cogitada; a que seria em 46 também não aconteceu, mesmo com a guerra já encerrada, pois era de tempo de reconstrução.

O Mundial de seleções não deve ser tomado como critério único para definir a carreira de um jogador, estabelecer seu lugar na história. É simples e rápido fazer uma lista com craques extraordinários que nunca foram campeões do mundo com a camisa de seus países; também não exige muito trabalho apontar vários jogadores de primeira categoria que nunca disputaram nem sequer uma Copa. Mas na década de 40, quando não havia Liga dos Campeões ou Libertadores, jogar um Mundial, se destacar em meio aos melhores, teria mudado a avaliação que se fez posteriormente de muitos jogadores.

Para Domingos e Leônidas, seriam mais duas oportunidades de ganharem o mundo, ou melhor, de conquistarem-no. E as chances teriam sido ainda maiores porque, certamente, Zizinho estaria no time. Sim, treinador nenhum ousaria impedir Domingos, Leônidas e Zizinho de disputarem, titulares inevitáveis, aquelas duas Copas. Três dos melhores da história, juntos, e a taça dificilmente lhes escaparia.

Zizinho, claro, disputou o Mundial no Brasil, e os relatos da época se aproximam da unanimidade quanto à constatação de que ele foi, tecnicamente, o melhor da Copa. Mas a derrota na final foi atada ao seu pescoço e ao de Barbosa. A antiga mania nacional de responsabilizar os craques por insucessos coletivos tirou Zizinho da seleção que viajou à Suíça em 54. O excepcional meia, que Pelé diz ter sido sua referência, seu modelo, disputou, ao fim, um único Mundial.

O mesmo erro foi cometido contra Domingos, Luís Pereira, Ademir da Guia, Clodoaldo, Marinho Chagas, Carlos Alberto e mais alguns. A Copa tornada impossível em 42 e a que não houve em 46 faltaram às ótimas seleções que Brasil, Itália e Argentina então teriam. Particularmente, faltaram a Domingos, Leônidas e Zizinho. De 1939 a 1945, não havia sentido em preocupações com futebol. Importava, naqueles seis anos, derrotar o nazi-fascismo e seus aliados, libertar seus cativos, honrar suas vítimas. Em 1946, era tempo de restaurar, refazer, não de Copa do Mundo. Porém já havia o embrião de outro conflito: a Guerra Fria. Mas é outra história.

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