Márcio Chagas: Que Decotelli não seja o goleiro Barbosa da política
Impressionante a sagacidade da imprensa para destruir publicamente uma pessoa negra. O ex-futuro ministro da Educação Carlos Alberto Decotelli acreditou que suas mentiras teriam o mesmo peso e receberiam as mesmas reprimendas que as dos demais mentirosos. Mas ele se enganou e muito. Nós não somos e nunca seremos iguais a eles. Somos negros, e o tratamento para os negros sempre foi e sempre será diferente.
Você não é ingênuo, e agora está sozinho, sendo humilhado.
O critério usado com Decotelli foi bem diferente do adotado com outros mentirosos, como Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, que inventou que era mestre em educação, direito constitucional e direito da família. Confrontada, ela alegou que seu título seria ligado à igreja, porque seria considerado "mestre" todo aquele que se dedica ao ensino bíblico.
O ex-ministro da Educação Ricardo Velez "errou" 22 vezes em seu currículo. O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles deixou as mentiras passarem de boiada ao se dizer mestre em direito público pela Universidade de Yale. Todos mentirosos. Ou, como normalmente se diz de pessoas brancas, "equivocados".
Aprendi com meu falecido pai que não temos o direito de errar, pois quando o erro acontece, ele é potencializado cem vezes se comparado ao mesmo erro de uma pessoa branca. Não estou aqui para defender as mentiras do ex-futuro ministro da Educação, mas para relembrar o que meu falecido pai sempre ensinou dentro de casa: "Nunca deixe na reta para não ser massacrado", ele dizia.
O massacre que estão fazendo com Decotelli tem uma definição clara e se chama racismo estrutural.
Assim que ele foi anunciado ministro, os racistas mais sórdidos, tentando mostrar que o presidente Jair Bolsonaro teria agido de forma antirracista, para limpar sua imagem, começaram a postar que Decotelli era dono de um currículo invejável, que havia adquirido com seus próprios méritos e sem o benefício das cotas.
O ódio de classe, como bem afirma o professor e escritor Jessé Souza, é uma arma engatilhada nas mãos da branquitude racista. O negro que acredita e se alia ao atual desgoverno está fadado à humilhação, como se estivéssemos no período da escravatura. Das duas uma: ou fica quieto e não se posiciona, como o deputado Hélio Lopes, ou fala bobagens e age como um capitão do mato, como Sérgio Camargo, atual presidente da Fundação Palmares.
Ah! Também pode ser motivo de chacota e chamado de mentiroso, como Carlos Decotelli. Se aliar ao presidente Jair Bolsonaro é assumir o posto de negro de estimação.
Meu desejo é que todos que burlam e mintam tenham o mesmo tratamento e que paguem por suas farsas. Mas que Decotelli não seja o goleiro Barbosa da política. Barbosa foi vice-campeão mundial com a seleção no Mundial de 1950, mas acabou marcado até o fim da vida por tomar dois gols na final, no Maracanã. Ele era negro.
Lembro que em 2014 Júlio César, branco, levou dez gols, sete contra a Alemanha e três contra a Holanda.
Mas foi Barbosa que pegou a maior pena, 40 anos de sentença, que só acabou quando ele morreu.
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