Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Roberto Salim - Tiago Volpi e os catadores de pênalti
No meu tempo de garoto, goleiro não defendia penalidade máxima. Goalkeeper catava pênalti. Uma das brincadeiras na rua Caiuby, quando ela ainda era de terra, era a disputa de pênaltis. Se entrasse direto valia um gol. Se batesse na trave e o gol saísse no rebote valia dois gols. A regra era clara.
Lembro disso por conta da incrível marca alcançada pelo goleiro do São Paulo Futebol Clube: os últimos sete pênaltis sofridos por sua equipe não foram convertidos. Um feito invejável de Tiago Volpi. E aí a partir dessa informação um monte de pênaltis começa a ser batido em minha memória.
Por exemplo: o dia em que o juiz Dulcídio Wanderley Boschillia mandou a cobrança ser repetida quatro vezes até que Émerson Leão — que se adiantava nas batidas de Ruço — não pegou o chute de Claudio Marques. Foi no ano de 1975, Palmeiras e Corinthians.
Pareceu aquele episódio do filme "Boleiros", do nosso querido Ugo Giorgetti: em um jogo na Rua Javari, o árbitro inventou um pênalti. Estava na gaveta, o tal juiz. O cobrador se aproximou da bola e bateu. O goleiro defendeu. Sua Senhoria, "comprada", mandou repetir a cobrança. Nova defesa do goleiro.
Mais uma vez o juiz da partida, maravilhosamente interpretado por Otávio Augusto, mandou que o pênalti fosse batido de novo. Mas teve o cuidado de impedir que o mesmo atacante se aproximasse da bola. "Você não!", gesticulou o juiz. E na terceira cobrança, um outro jogador chutou e a bola entrou.
E o pênalti de Marcelinho Carioca, que o Marcão defendeu? Histórico!
Ou a disputa de pênaltis na Copa do Mundo de 86, no dia 21 de junho, contra a França. Foi incrível aquilo que aconteceu no Estádio Jalisco: a bola bateu na trave, nas costas do grande Carlos e entrou no gol brasileiro. Rapaz, que falta de sorte!
As chances dos goleiros são mesmo pequenas. Até mesmo quando as penalidades são cobradas por um perna-de-pau como eu. Uma vez, na revista "Placar", fiz uma reportagem sobre pênaltis. No Pacaembu, cobrei 15 penalidades no mesmo Carlão, na época jogando pelo Corinthians e goleiro da seleção de Telê Santana. Bati de bico e acho que enfiei oito bolas no balaio. Carlão ficou inconformado.
Pênalti é loteria? Pode até ser. Mas o goleiro pode fazer a diferença. No livro "A Muralha Verde", sobre o lendário Oberdan Cattani, está escrito que, já em fim de carreira, ele foi defender o Juventus da Moóca e catou sete penalidades no Campeonato Paulista. Como será que ele fazia para pegar os pênaltis?
Como será que faz o são-paulino Tiago Volpi? Olha os olhos no batedor? Olha as pernas? Atira-se para qualquer lado e seja o que Deus quiser? São segredos.
Um jovem goleiro do Noroeste de Bauru, um dia, me contou na ESPN Brasil que, ainda juvenil, foi levado para jogar contra o Santos de Pelé na Vila Belmiro. Acabou sendo escalado em cima da hora e caiu na besteira de olhar, dos vestiários, as arquibancadas. Lotadas. "Os mais velhos falaram para eu não me impressionar".
Ainda que fosse só a torcida... Mas ele teve todo um ataque de craques pela frente durante 90 minutos. O jogo terminou em goleada: 6 a 2, com cinco gols de Pelé. Mas apesar dos gols sofridos, o goleiro tinha um grande orgulho para contar a seus amigos. "Teve um pênalti e o Pelé foi cobrar. Bateu e eu adivinhei o canto e espalmei de leve a bola, que tocou na trave e foi para fora".
Acontece que o juiz não reparou no pequeno desvio e deu tiro de meta. Diz a lenda que o goleiro, conhecido como Chico Voador, correu para cima do juiz para dizer que tinha sido escanteio para o Santos. Estava inconformado. Mas o juiz não voltou atrás. Deu só um simples tiro de meta. Até hoje, só esse goleiro tem a certeza de que catou uma cobrança do Rei.
É que assim são os pênaltis.
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