Há 20 anos, Sydney foi um marco para a cobertura do esporte paralímpico
E lá se vão 20 anos! Hoje, 22 de outubro de 2020, é uma data expressiva para o esporte paralímpico. Foi neste dia, 20 anos atrás, nos Jogos Paraolímpicos de Sydney, Austrália, que a mídia brasileira iniciava uma jornada e tanto para contribuir com a divulgação do esporte para pessoas com deficiência. E a sorte estava do nosso lado.
Na data de hoje, há 20 anos, o nosso tetracampeão do judô paralímpico, Antônio Tenório, se consagrou como o primeiro brasileiro entre olimpícos e paralímpicos a ganhar uma medalha de ouro em Sydney. Sabe aquela história de estar no momento certo, no lugar certo? Pois é, naquele ano Tenório e tantos outros atletas iniciaram um processo de reconhecimento junto à impressa brasileira. Mas não foi assim tão fácil e ainda não é.
O sucesso da divulgação dos Jogos de Sydney se deu por causa da política de comunicação implantada pelo CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), comandado à época por João Batista Carvalho e Silva. Depois de uma experiência positiva nos Jogos de Atlanta, 1996, quando o comitê convidou quatro jornais e contratou uma emissora para a cobertura da competição é que se iniciava todo o histórico de divulgação maior da mídia sobre o esporte para pessoas com deficiência.
Em Sydney, o CPB utilizou a mesma receita e convidou um grupo de 28 jornalistas de todo o Brasil. Um país que se encontrava desacreditado com o esporte olímpico começou a viver experiências incríveis com os resultados dos atletas paralímpicos que lá estiveram. Era o patriotismo falando mais alto, mas que só pôde ser externado porque a sociedade soube dos feitos dos brasileiros pelos jornais, pela televisão e pela internet.
Me lembro como se fosse hoje. As notícias chegavam muito rápido no Brasil. Não tínhamos a possibilidade de foto digital, mas tínhamos um centro de imprensa especializado para revelar o negativo que ia direto para o computador. Em comparação ao que fazemos hoje, era precário. Mesmo assim, as notícias rodaram o Brasil, e a cobertura foi um sucesso. Somente a mídia impressa, publicou mais de 300 matérias em jornais de todo o país.
Um ano, dois anos depois, o Brasil que tem uma memória curta, já se esqueceu de muita coisa. E como a mídia não se resumia aos 28 jornalistas que foram para Sydney, ela tinha pouco interesse e informações pelo esporte paralímpico.
Atravessamos a resistência dos veículos em querer saber sobre o esporte paralímpico, já que muitas vezes a própria assessoria do CPB ligava nas redações de jornais e tinha o desafio de, antes de falar da pauta, falar o que era o esporte paralímpico, de que modalidade se tratava aquela pauta e quais eram as suas especificidades. Um caminho difícil a ser seguido e um sonho a ser conquistado.
A mídia voltaria a falar mais do esporte paralímpico em Atenas, 2004, quando o CPB deu continuidade à política de comunicação. Só que dessa vez, a coordenação do setor e a entidade priorizaram jornalistas de emissoras e contrataram uma empresa para gerar imagens da competição. Além disso, investiu em capacitação direcionada para a mídia em todo o Brasil.
No lugar e na hora certa? Sim. A mídia estava lá na hora certa para ver Clodoaldo Silva, ganhar suas medalhas, para ver Adria Santos e Tenório repetirem os feitos de Sydney. Tudo ao mesmo tempo agora. E será que finalmente o esporte paralímpico se naturalizaria nos jornais, nas emissoras, na internet?
Levei tempo para ser convencida de que essa política de comunicação não era um tiro no pé, afinal, a gente convidava a mídia e pagava por ela. O CPB ainda implanta parte dessa política. Hoje enxergo como uma política afirmativa que visa amenizar a negação da sociedade com as pessoas com deficiência.
Toda essa história vai ao encontro da visão estereotipada da camada social sobre as pessoas com deficiência. Como então mudar o paradigma? Essa é mais uma questão estrutural que se reflete também nos meios de comunicação e no material humano deles, já que o preconceito e a discriminação estão disseminados no corpo social.
Para além do preconceito estrutural, a divulgação do esporte paralímpico enfrentou, em 2000 e ainda enfrenta hoje, uma linha tênue em relação a sua linguagem. Como chegar ao meio termo na hora de escrever sobre personagens que têm algum tipo de deficiência? Muitas vezes, os textos jornalísticos estão cheios de vícios que na realidade passam batidos também pela sociedade.
Obter o equilíbrio na hora de falar sobre esporte paralímpico ou sobre um acontecimento em que a pessoa com deficiência é o personagem principal também é um desafio diário. É obrigação dos nós, jornalistas, entendermos as nomenclaturas utilizadas, as legislações do setor, o que está em jogo na hora de escrever sobre as pessoas com deficiência e a qual melhor forma de abordagem. Ainda lemos notícias e vemos reportagens que tratam as pessoas com deficiência como heróis, coitadinhos ou incapazes.
Para finalizar, a mídia tem ajudado a quebrar o paradigma, mas ainda falta muito. Mas não falta tanto quanto faltava há 20 anos. Estamos caminhando e é um processo de construção conjunta. Eu vivi para ver emissoras cobrindo os Jogos Paralímpicos do Rio 2016, mesmo depois de todas as dificuldades encontradas na organização do evento. Fiquei sabendo, assim como todos os brasileiros, que o dia de maior movimento no Parque Olímpico foi durante a Paralímpiada.
Depois de mais de 20 anos, o Brasil começou a entender o valor dos atletas paralímpicos e o quanto eles representam positivamente o segmento das pessoas com deficiência. O meu sonho anterior de ver o esporte na mídia, hoje é mais palpável. Mas o processo continua e ainda temos um longo caminho pela frente.
*Esse texto foi escrito por Gisliene Hesse, é jornalista, mestre em comunicação e multimídia, consultora de comunicação e marketing digital, ex-coordenadora de comunicação do CPB (2003/2004), ex-diretora de Comunicação da Associação Brasileira de Desportos para Cegos (2001/2002), realizou a cobertura dos Jogos Paralímpicos de Sydney e coordenou a cobertura dos Jogos de Atenas.
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