Topo

Clodoaldo Silva

Assustador: "Convenção das Bruxas" é um tiro no pé da Warner Bros

Anne Hathaway no filme Convenção das Bruxas - Reprodução
Anne Hathaway no filme Convenção das Bruxas Imagem: Reprodução

05/11/2020 10h17

A Warner Bros deu um tiro no pé ao colocar Anne Hathaway, a personagem principal de "Convenção das Bruxas", como uma bruxa maligna que tem malformações nos pés e nas mãos. Vi o trailer e me bastou para formar opinião. A previsão é que a distribuição nos cinemas brasileiros ocorra até 19 de novembro.

Meu Deus... A gente persiste dia após dia para que os estigmas sejam quebrados, e uma das maiores produtoras e distribuidoras de filmes dos Estados Unidos mostra que o problema é mais sério do que a gente imagina.

O cinema, com suas glórias, tem uma produção gigantesca, centenas de pessoas trabalhando, entre roteiristas, diretores, atores, maquiadores, ilustradores. Mas ninguém percebeu que isso não era legal para as pessoas com deficiência. Essa é uma prova séria de que estamos no final da fila e, o pior, que as pessoas nos associam a algo assustador, já que quem entende de cinema não pensou nem um segundo nisso na hora de fazer o filme.

Não tem desculpa que me convença. Estamos falando de um filme que várias crianças já assistiram e muitas outras irão assistir. Eu sou mais um atleta paralímpico a me juntar aos que já se pronunciaram contra o longa-metragem.

As pessoas ainda encontram dificuldades em aceitar certos tipos de deficiência. Um cadeirante aqui no Brasil já está mais naturalizado do que uma pessoa que tem má formação nos membros, por exemplo. Muitas pessoas têm aversão a alguém com má formação. Já tivemos personagens cadeirantes em novelas, cegos, mas não me lembro de um personagem com má formação congênita.

No filme, as mãos da bruxa são muito parecidas com uma pessoa que tem ectrodactilia, ausência de um ou mais dedos centrais das mãos ou dos pés. Você sabia que muitas crianças nascem com má formação nesses membros? No filme, segundo os críticos, a essa deficiência foi usada para marcar a personagem. Para eles, retratar vilões com deficiências físicas pode reforçar estereótipos de que a deficiência é assustadora.

A meu ver, essa associação é esdrúxula e descabida para o século 21. É assustador também isso ter passado batido pela produção. Não podemos mais permitir esse tipo de coisa. Representação é tudo nos dias de hoje.

Uma das atletas que utilizou as redes sociais para apontar sua indignação foi Amy Marren."Sim, eu sei que é só um filme e que são bruxas. Mas bruxas são monstros, essencialmente. Meu medo é que crianças assistam a esse filme sem saber que essa representação exagera absurdamente [a história original escrita por] Roald Dahl, e que as diferenças de membros passem a ser temidas", ela afirmou no Twitter.

A nadadora Claire Cashmore, medalhista do Reino Unido, também publicou no seu Instagram. "Queremos que deficiências sejam normalizadas e que sejam representadas de uma maneira positiva, em vez de serem associadas com um ser amedrontador, malvado, uma bruxa", afirmou.

Clodoaldo Silva participa de protesto mundial contra filme Convenção das Bruxas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Clodoaldo Silva participa de protesto mundial contra filme Convenção das Bruxas
Imagem: Arquivo Pessoal

O IPC (Comitê Paralímpico Internacional) criticou a nova versão de "Convenção das Bruxas", e apontou a hashtag #NotAWitch ("não uma bruxa", em tradução livre) como uma forma de protestar contra o retrato que o longa fez das deficiências. "Diferenças devem ser celebradas e deficiências devem ser normalizadas", declarou a organização.

"A decisão de fazer essa bruxa parecer mais assustadora por ter uma diferença de membros — o que não era uma parte original da trama — tem consequências na vida real", disse a vice-presidente de comunicações da ONG RespectAbillity, Lauren Appelbaum, defensora de retratos mais autênticos da deficiência na tela. "Infelizmente, essa representação em 'Convenção das Bruxas' ensina às crianças que as diferenças de membros são horríveis ou algo de que devemos ter medo. Que tipo de mensagem isso envia para crianças com diferenças de membros?"

Depois das críticas, a Warner Bros pediu desculpas em comunicado enviado à imprensa internacional. "Ao adaptar a história original, trabalhamos com designers e artistas para chegar a uma nova interpretação das garras felinas que são descritas no livro", diz a declaração, que foi publicada pelo site Variety. "Nunca houve intenção dos espectadores sentirem que as criaturas fantásticas e não humanas deveriam representá-los. Este filme é sobre o poder da bondade e da amizade. É nossa esperança que famílias e crianças possam desfrutar do filme e abraçar este tema empoderador e cheio de amor."

Esse pedido de desculpas não vai retirar da tela as imagens que o filme traz sobre as pessoas com deficiência. A película, definitivamente, reforça preconceitos e nos ofende, sim, porque não queremos ser associados com o negativo e o ruim.

Para muitos, minha abordagem pode ser vista como exagerada, mas não é não, gente! A Warner Bros pode errar, mas parece brincadeira de mau gosto quando a gente pensa no número de pessoas envolvidas em uma produção como essa. Ainda bem que a gente está mais atento e pode ir contra isso. Ainda bem que podemos reclamar e colocar nossos argumentos. Antigamente, a gente se escondia em casa. Hoje, a gente bate de frente... até com a Warner Bros.

Boa quinta-feira e abraços aquáticos para todos!