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Craque Daniel

O Santos e o triunfo da ruína financeira

Libertadores: o resto da América Latina sabe que é apenas mais um trabalho - Ivan Storti
Libertadores: o resto da América Latina sabe que é apenas mais um trabalho Imagem: Ivan Storti

11/01/2021 12h00

A Libertadores, essa esfinge quase sempre indecifrável que devora brasileiros um a um, agora tem em Palmeiras e Santos não só clubes que ainda resistem, como já vivem a expectativa de uma final brasileira, transformando a mais emocionante competição das Américas em apenas uma corriqueira Copa do Brasil.

Do lado santista, uma das maiores esperanças de decifrar essa esfinge é o venezuelano Soteldo, um poço de talento de um metro e meio de profundidade. Entretanto, pendurado por cartão amarelo, foi poupado no segundo tempo em La Bombonera, e deve ser poupado na Vila Belmiro, visando uma eventual final. E numa eventual final, deve ser poupado visando a estreia na Libertadores do ano que vem, caso o Santos seja campeão e se classifique, porque Libertadores é isso: um torneio classificatório para si mesmo, numa eterna retroalimentação.

E talvez seja esse o enigma que os brasileiros, cegos pela possibilidade da glória, historicamente têm dificuldade em enxergar: é só mais uma Libertadores. É só um trabalho.

Ainda assim, em 2021 o Santos continua sendo um dos times mais surpreendentes do mundo. Especialmente depois do empate contra o Boca, bem sofrido, e da vitória contra o São Paulo, bem sofrida. Em meio a tanto sentimento de sofrimento (sempre glamourizado no futebol), há quem diga que o clube resiste ao caos financeiro, mas discordo frontalmente: na minha visão é o caos financeiro quem resiste ao clube. Mesmo nas vitórias, nas glórias, nas vendas milionárias de jogadores, o caos financeiro permanece lá: firme, inabalável, um símbolo da instituição tão antigo quanto Pelé, tão charmoso quanto a própria Vila. Talvez a única pessoa que tenha realmente prosperado financeiramente no Santos tenha sido o pai do Neymar, que mesmo assim foi embora na primeira oportunidade.

Vila Belmiro - Divulgação/Santos FC - Divulgação/Santos FC
Os estádios vazios aprofundaram a crise financeira no futebol, situação em que o Santos se destaca
Imagem: Divulgação/Santos FC

O pandemônio financeiro é tão intrínseco à identidade do clube, que o ex-Presidente (deposto), em entrevista ao SporTV, quando ainda estava no cargo, revelou que seu maior sonho era que alguém sanasse as finanças do clube. Informado de que esse era justamente o seu trabalho, o cartola respondeu apenas com um silencioso olhar vazio. A incompetência em seu estado mais puro muitas vezes traz uma inocência tão infantil que chega a ser bela.

No mais, vale lembrar que um Santos campeão da Libertadores significa o lateral Pará tricampeão da competição. Não se esqueçam, é para nada menos que isso que o torcedor santista está torcendo: esse é o tamanho do desafio - e por que não dizer, do sofrimento.

O delírio é o maior combustível que existe

Scarpa na Libertadores - Cesar Greco - Cesar Greco
Um profissional iludido é um profissional motivado
Imagem: Cesar Greco

O Palmeiras, por sua vez, cometeu a antidesportividade de decidir num só jogo o que comercialmente espera-se que decida-se em dois. Luxemburgo saberia cozinhar uma eliminação em duas partidas emocionantes que renderiam muito mais audiência e engajamento digital - engajamento digital que por sinal foi criado por ele nos anos 90, antes da criação da própria internet, e depois copiado pelos estrangeiros.

Mas o fato é que, iluminado em vez de eliminado, o Palmeiras teve até Scarpa fazendo um belíssimo gol - num lance que não estava valendo. E um lance que não está valendo é justamente tudo o que esse atleta precisava para desempenhar seu melhor futebol com tranquilidade. O técnico Abel Ferreira, grande conhecedor do comportamento humano, já deve estar ludibriando o jogador para o jogo de volta, dizendo que toda a partida não estará valendo, trabalhando o psicológico do atleta com a ferramenta mais eficaz que um grande líder pode usar: a mentira.

Abel Ferreira - Paulo Paiva/AGIF - Paulo Paiva/AGIF
Mestre das ilusões: Abel Ferreira se alimenta de um sanduíche imaginário durante jogo do Palmeiras
Imagem: Paulo Paiva/AGIF

Iludido de que seus atos não terão consequências e de que sobre seus ombros não pesa nenhum tipo de responsabilidade, tenho certeza que um Scarpa movido pelo delírio pode ser um dos grandes nomes do jogo na próxima terça.

De resto, tudo caminhava para uma noite perfeita do Palmeiras transmitida pelo SBT, quando fomos surpreendidos pelo narrador Téo José nos informando que cada um de nós era "um convidado muito especial para a festa da Larissa Manoela". Bela vitória, mas com um triste desfecho para o palmeirense, que só queria ver o jogo e acabou numa festa fictícia da Larissa Manoela.

Essa coluna não reflete nem minhas próprias opiniões. Escrevo enquanto discordo veementemente de minhas próprias palavras.

Craque Daniel é apresentador do Falha de Cobertura, (supostamente) ex-jogador, empresário de atletas e inocentado de todas as acusações feitas contra ele. (Personagem interpretado por Daniel Furlan, um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o Falha de Cobertura e Choque de Cultura.)