Multicampeão, técnico Guto Ferreira revela: "perdi trabalhos por ser gordo"
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Guto Ferreira aumentou a sua coleção de títulos ontem à noite. Ao conquistar a Copa do Nordeste de maneira invicta, o treinador manteve uma escrita de dar inveja a nomes badalados do mercado de técnicos: são cinco anos consecutivos com pelo menos um título.
Entre 2012 e 2020, ele só não foi campeão em 2014, quando ainda conseguiu o acesso à elite pela Ponte Preta. E a única chance entre os 12 maiores clubes do país foi uma breve passagem no Internacional. Por quê? Em entrevista ao blog, o próprio treinador revelou que já perdeu trabalhos por ser gordo.
"Eu já perdi trabalhos por ser gordo, até mesmo em clubes do exterior que não queriam associar a imagem a um treinador gordo. Mas não vou mudar. Eu respeito cada um e não estou preocupado com isso", afirmou.
Ironicamente, ontem, após ser campeão desbancando Fortaleza e Bahia, os favoritos do Nordeste, ele foi erguido e jogado para o alto pelos jogadores ao som de "É, Gordiola". Com títulos estaduais do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, Bahia, Pernambuco e tricampeão paulista do Interior de São Paulo, ele chegou agora ao bicampeonato da Copa do Nordeste.
Confira a entrevista completa ao blog:
Danilo Lavieri: Você chegou à final, foi campeão invicto derrubando os favoritos Fortaleza e Bahia, que tiveram mais investimento. Como foi acordar nessa quarta-feira?
Guto Ferreira: Foi uma alegria, com sensação de dever cumprido. Você começa a pensar lá atrás quando a gente conversou com os jogadores, fazendo entrevista com cada um, para ver o que é que eles queriam para eles. Eles transmitiram uma gana muito grande de fazer história no clube e já vinha uma equipe que estava se organizando. Começou com Argel, passou pelo Enderson e agora comigo. Tem trabalho de todo mundo, de muitas mãos. Desde o pessoal da preparação que durante a pandemia fez as lives, passando pela entrega dos jogadores e pela a organização do clube. Mas o principal é o propósito deles. As lideranças das equipes e saber que eles queriam fazer história, porque é isso que fica na carreira.
Você tem líderes que já foram destaques nas maiores equipes do país, como Prass e Sóbis. Como você acha que eles te ajudam nessa conquista?
Guto: São lideranças fortes, que passaram por clubes e foram campeões. E não só isso: foram capitães. Em um grupo, não existe liderança única, porque se não você monopoliza, passa a depender de um. Quando se dilui em várias lideranças, com voz de cada um, contraponto de cada um, o grupo se puxa e não existe divisão. Eles são caras acostumados a vencer, não é o fato de estar no Ceará que vai gerar acomodação. Quem é acostumado a vencer, vai querer vencer sempre. É essa a briga desde o primeiro momento, das primeiras conversas deles com o grupo. Eles colocam justamente isso. O que fica é a história. Eles ajudam os que querem vencer, mas ainda não sabem o caminho.
Você derrubou trabalhos que têm muito apelo como o de Roger Machado e Rogério Ceni. Isso é a prova de que não existe só um jeito de jogar futebol?
Guto: Para mim, começa pelo princípio do ser humano, porque não existe ser humano igual. Se você muda uma peça na equipe, a equipe já não é a mesma. Você tem alguns princípios de jogo e aí precisa entender os pontos fortes e fracos para minimizar os fracos e montar em cima dos fortes. Claro que eu queria um time com essa pegada e ainda mais impositivo ofensivamente, mas, para o momento, eu precisava organizar a defesa e armava a transição para possibilitar os resultados. Poderia até trabalhar de forma enfática toda a parte de construção, mas, por características dos jogadores, faltaria peças e eu ainda não teria a defesa sólida. Isso quer dizer que vamos jogar sempre assim? Não. Tive equipes como Bahia, Chapecoense e Sport que meu time se impunha mais, mas preciso construir a casa pelo primeiro tijolo e não pelo telhado. Hoje, o futebol mudou. O time campeão da França era mais reativo, muito forte na transição. O futebol não está mais na posse, está na transição.
O trabalho que mais teve destaque no Brasil recentemente foi o Flamengo de Jesus. Qual você acha que foi o segredo do time dele?
Guto: Ele tinha uma saída de bola forte, com uma marcação alta forte e conseguiu fazer os jogadores de alto nível mentalizarem que precisava marcar, marcar alto, marcar forte. E aí ele trouxe um jogador de característica de 10 mais para trás, que foi o grande diferencial deles, o Gerson. Postou um jogador que era segundo volante para ser jogador mais retraído, mas não só defensivo, que era o Arão, com força de combate e saída. E aí ele colocou os laterais mais fixos, passando só no tempo certo. Os meias deles ficavam alternando entre lado e meio, e o Gabriel e o Bruno faziam ponta e centro. Com esse jogo apoiado, ele infiltrava, mas, se você pegar as grandes jogadas do Flamengo, não são jogadas de pé em pé, dentro do campo do adversário. A maioria dos gols foi de transição. Dava o jab no campo adversário, mas não jogava só lá. Os mais difíceis foram de transição, em roubada de bola e transição rápida. Foi de transição. À medida que você faz o primeiro, a tendência é o adversário abrir e você joga na transição.
Falando especificamente da sua carreira, você tem bons resultados, títulos consecutivos, mas a sua chance entre os maiores clubes do país se limitou a uma breve passagem no Inter. Por quê?
Guto: É uma coisa que não me afeta, não. Eu sigo fazendo o meu trabalho, o mais importante é eu estar feliz. Tem muita coisa que ninguém sabe o que passamos no pessoal, e é muito fácil analisar de fora. Mas a porrada vem o tempo inteiro, por mais frio que seja, não adianta entrar na pressão, não adianta aceitar essa pressão. Você precisa estar muito bem de cabeça. E família é um dos pilares para te equilibrar. Você equilibra em vários setores. Para ir bem no profissional, você precisa estar com saúde e na parte da mental. O mais importante não é o projeto em si, mas a maneira que eu sou respeitado e o torcedor me enxerga e me respeita. Quando você pega um jogador com experiência, ele tem a carcaça para suportar. O futebol é treinar, treinar e treinar e evoluir. E, aqui, você se está o tempo inteiro reconstruindo, porque qualquer jogador que vai bem já sai do país. E quando ganha e fica ainda tem de tomar cuidado para não ficar na zona de conforto. O Jorge Jesus não foi bobo, não. Ele chegou em um ápice e seria cobrado por muito mais. Ganhar duas vezes é muito difícil, mesmo com tudo que ele tinha em mãos. Mas você vê... Se o brasileiro sai do comando nessa circunstância que ele saiu, ele é mercenário, é isso ou aquilo. Eu mesmo fui criticado quando sai do Bahia para o Inter. Para vencer, acima de tudo, o treinador precisa ter o controle de tudo, ter respaldo da diretoria. E foi assim com o Flamengo. Quem não estava nas rédeas dele não estava com ele.
Há os que defendem que você não tem mais chance por ser gordo. Isso te atrapalha?
Guto: Para a minha pessoa, nunca ninguém falou: não vou te contratar porque você é gordo. Mas, para o meu procurador já falaram. Eu já perdi trabalhos por ser gordo, até mesmo em clubes do exterior que não queriam associar a imagem a um treinador gordo. Mas não vou mudar. Eu respeito cada um e não estou preocupado com isso. Quanto mais você realiza, mais amadurece e, no momento certo, as coisas vão acontecer para você. Não me importo em quanto tempo vai demorar para chegar os projetos gigantes. Eu estou feliz com os projetos da magnitude que estou tenho. A força do trabalho fala pela gente.
Ontem os caras te jogaram para o alto, gritando "É, Gordiola". Você gosta? Isso mostra a sua boa relação com o grupo?
Guto: Tudo tem o seu momento. A gente tem uma ótima convivência, eu convivo com um grupo muito bom, com líderes, com jogadores que querem seu espaço. Com gente que veio de time pequeno e gente que veio de time grande. O futebol é muito mais do que só dentro de campo. É treinar muito, sim, mas tem aspecto mental, de organização e dedicação e, muito, de relacionamento.
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