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Danilo Lavieri

REPORTAGEM

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Como crime nos EUA pode fazer jogadores perderem nacionalidade brasileira

Passaporte brasileiro - Andree_Nery/Getty Images/iStockphoto
Passaporte brasileiro Imagem: Andree_Nery/Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

24/03/2023 14h43

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*Texto de João Paulo Perim Zago

Incontáveis cidadãos do Brasil podem perder suas nacionalidades após terem se naturalizado em outro país. Esta possibilidade, que existe desde 1988 e sempre foi considerada sem eficácia, passou a ganhar destaque nos últimos anos e pode atingir em cheio o futebol brasileiro.

Os casos notórios mais afetados são de jogadores que atuam na Espanha. Por conta de um procedimento ágil que existe no país e favorece brasileiros, é comum os atletas darem entrada no pedido dois anos após residirem em seu território. Ronaldo Fenômeno, Roberto Carlos, Ronaldinho Gaúcho, entre outros, são cidadãos espanhóis por naturalização. O caso mais recente é o de Vini Jr., craque da atual Seleção. Em outros países europeus, a naturalização de brasileiros também é recorrente.

Segundo a Constituição do Brasil, um cidadão perde sua nacionalidade ao adquirir a de outro país. Esta regra tem duas exceções: quando a outra nacionalidade é de origem - casos de descendentes de italianos, portugueses, espanhóis, entre outros - ou quando a outra nação impõe a naturalização para que o brasileiro possa permanecer em seu território ou exercer direitos civis. No caso dos atletas que atuam na Europa, o procedimento é feito para abrir vagas no elenco em virtude de regras das federações nacionais - ou seja, instituições privadas, não configurando imposição dos Estados.

No contexto geral da população, o mecanismo de perda da nacionalidade afeta, via de regra, brasileiros que adquiriram outras cidadanias por casamento ou tempo de residência em países estrangeiros. Os casos mais comuns ocorrem com brasileiros que emigraram ou se casaram com nacionais dos Estados Unidos, Itália, Portugal e Espanha.

Pouco alardeada, a regra era considerada letra morta até 2017, quando veio à tona o caso de Cláudia Cristina Sobral, brasileira que se naturalizou nos Estados Unidos e fugiu para o Brasil a fim de não cumprir pena pelo assassinato de seu marido, ex-piloto da Força Aérea dos EUA. As autoridades americanas alertaram o Brasil sobre sua naturalização, que culminou com a perda da nacionalidade declarada pelo Ministério da Justiça, medida confirmada pelo STF.

Depois de Cláudia, somente mais duas pessoas perderam a nacionalidade brasileira por ofício: Carlos Wanzeler, naturalizado americano e considerado um dos fundadores da Telexfree; e Ana Cristina Valle, segunda esposa do ex-presidente Jair Bolsonaro, naturalizada norueguesa.

Casos podem dar início a uma devassa

Embora os casos específicos sejam pontuais, os novos entendimentos podem "abrir a porteira" para a investigação de cidadãos brasileiros que possuem múltiplas nacionalidades, com o objetivo de declarar a perda de sua nacionalidade.

Com uma rápida pesquisa no Google, é possível confirmar a naturalização de dezenas de personalidades do mundo dos esportes e do entretenimento. E de bombeiros a juízes, inúmeros concursos públicos no país inserem em suas fichas de inscrições uma seção de investigação social, contendo questões sobre a aquisição de outras nacionalidades e campos para o preenchimento de dados como identidade e passaporte emitidos em outro Estado.

Em artigo publicado no portal Conjur, o jurista Luiz Felipe Costa Santana alerta para a situação em virtude do caso Daniel Alves, ao citar o alcance da medida: "na atual conjuntura socioeconômica brasileira, em que o número de expatriados do país cresce diuturnamente, especialmente entre os que têm como destino EUA e Portugal, não é razoável impor a perda da nacionalidade brasileira para aqueles que optaram por tentar uma outra vida no exterior."

Câmara pode encerrar polêmica

Todavia, os deputados federais podem pôr um fim à controvérsia sobre a perda da nacionalidade brasileira em decorrência da aquisição de outras cidadanias.

Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), protocolada em 2018 pelo ex-senador Antônio Anastasia, visa encerrar o debate para inserir na Constituição que somente o pedido expresso de renúncia pode gerar a perda da nacionalidade de um brasileiro nato.

O projeto foi aprovado pelo Senado por unanimidade e está na Câmara dos Deputados há dois anos. Já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e aguarda a instalação de comissão especial. Aprovada, a mudança será votada duas vezes no plenário, com a necessidade do apoio de três quintos dos deputados.

Com a alteração promulgada, o risco e o temor de milhares de brasileiros - sejam pessoas comuns, sejam figuras públicas - em perder sua nacionalidade de origem se encerram.

João Paulo Perim Zago é consultor e especialista em cidadania italiana.