Por que vendas como a de Newerton, do São Paulo, são rotina no Brasil
Newerton, do São Paulo, é mais um da tendência cada vez mais vista no futebol brasileiro: vender jogadores sem que eles tenham tempo para se desenvolver no profissional. Há casos em que os atletas só não saem mais cedo por causa da lei que impede que um jogador menor de idade se transfira para o exterior, como os casos de Endrick e Vini Jr.
O são-paulino rendeu quase R$ 20 milhões e é fundamental para que outras ofertas por jogadores como Pablo Maia e Beraldo possam ser recusadas. Em junho, o atacante Pedro, do Corinthians, foi vendido ao Zenit, da Rússia. Aos 17 anos, ele havia atuado por apenas três meses pelo elenco profissional e saiu pela mesma lógica adotada no Morumbi.
O Athletico Paranaense, por sua vez, concretizou no início do mês a venda do atacante Vitor Roque, de 18 anos, ao Barcelona, assim como fez o Palmeiras com Endrick, para o Real Madrid, e mais recentemente como Giovanni, vendido para o futebol do Qatar. Outros exemplos emblemáticos desse movimento são Vinícius Júnior e Rodrygo.
Sandro Orlandelli, que trabalhou por mais de uma década como observador (scout) do Arsenal e Manchester United, explica que os jogadores que deixam o país mais cedo conseguem finalizar os seus processos de desenvolvimento de uma maneira melhor do que aqueles que optam por permanecer.
"Participei muito desse recrutamento de jogadores jovens, com 16, 17 anos, e hoje existe um método europeu de desenvolvimento do produto final de um potencial. Eu vejo que ainda existe uma diferença grande no processo de desenvolvimento entre os dois locais, então é favorável ao atleta finalizar por lá. Mas tudo depende muito do individual, do perfil mental, se consegue ter um entendimento de que vai ter que se adaptar a uma cultura e não a cultura a ele. Quem absorver isso vai ter vantagem. O padrão de comportamento exigido lá fora não é negociável. O jogador que permanece por mais tempo aqui amadurece e se conscientiza disso. Mas todos vão ter dificuldade de adaptação. Não é tão simples essa adaptabilidade, há a adaptação cultural, o clima, sempre acha que está preparado, mas só vai estar preparado quando viver esse tipo de situação. É tudo muito individualizado. Mas se fosse para optar, o mais jovem tem uma adaptabilidade maior em comparação ao mais velho", explicou Orlandelli.
Para Thiago Freitas, diretor operacional da Roc Nation Sports Brazil, empresa que agencia as carreiras de Vinícius Júnior e Endrick, os processos de formação de atletas avançaram no país na última década, em pontos como a qualificação de profissionais e melhorias nos espaços de trabalho, mas também estão acompanhados de novos problemas.
"Os avanços na formação de atletas vieram acompanhados de problemas que não tínhamos nas décadas passadas. As redes sociais e o entretenimento disponível podem ter um peso maior do que os atletas e suas famílias imaginam. Por isso, posso dizer sem receio que os clubes precisam investir no preparo mental dos adolescentes, e de quem está em seu entorno. Esse é um departamento que ainda não se desenvolveu tanto, e quem o fizer antes dos demais, vai ter um diferencial por anos," afirma Thiago.
"O crescimento do número de competições de base transmitidas gerou também uma cobrança excessiva por resultados, algo que não existia no passado. Isso tem ocasionado, em grande parte dos clubes, uma busca das comissões técnicas por vitórias desnecessária. É preciso dar mais estabilidade aos treinadores na base, e destinar um percentual, mínimo que seja, do que clubes arrecadam com transferências de atletas, aos profissionais que trabalharam na formação desses. Isso vai promover um ciclo virtuoso que em seis a oito anos já será percebido com clareza em âmbito mundial", complementou.
Por fim, para Júnior Chávare, dirigente de futebol com experiência em captação e formação de jogadores em clubes como São Paulo, Grêmio e Atlético Mineiro e que hoje é executivo de futebol da Ferroviária, o mundo ideal nesses casos é que o atleta, antes de ser vendido para fora, possa ajudar o time dentro de campo e proporcione, além de dinheiro aos cofres da agremiação, um retorno técnico.
"É preciso tomar cuidado para não queimar etapas. Em alguns casos, os clubes têm pressa para vender o jogador porque precisam usar esse dinheiro para sanar pendências financeiras. Com isso, na maioria das vezes essas vendas ficam aquém do que poderiam se esse menino tivesse mais tempo para se desenvolver. Porém, cada dirigente sabe a realidade do seu clube e onde isso afeta no seu dia a dia", finalizou Chávare.
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