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Diego Garcia

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Obrigado, Pelé, por tudo aquilo que não precisei ver

Pelé - Foto: Getty Images
Pelé Imagem: Foto: Getty Images

Colunista do UOL

30/12/2022 16h06

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Não vi Pelé jogar. Nasci 10 anos depois que ele pendurou as chuteiras. Tudo o que sei sobre aquele que chamam de Rei foi de ler livros e notícias, ouvir histórias do meu pai, avô, tio ou amigos mais velhos, e também assistindo a vídeos antigos, a maior parte deles em preto e branco.

Mas esse não é um texto sobre mim, nem sobre os números impossíveis da carreira de Pelé. E, sim, um relato sobre o impacto do Rei no cotidiano de todos nós, meros mortais, mesmo quem nasceu décadas após a ascensão de Sua Majestade ao trono do futebol - e do mundo.

Pois não é preciso ter visto Pelé jogar ao vivo para que, de alguma forma, o Rei tenha participado de nossas vidas. No meu caso, não me lembro de um único país dentre os 46 que conheci até hoje em que não tenha escutado as quatro letras mais famosas do mundo: "Pelé?" - essa sempre é a reação geral quando digo que sou de Santos, Brasil.

Estava em Nova York quando recebi a notícia da morte de Pelé. Mais precisamente em um ferry a caminho da Estátua da Liberdade, aproveitando uns dias de férias após a cobertura da Copa do Mundo, no Catar. E imediatamente percebi algumas pessoas olhando no celular e falando sobre o assunto. Um homem colocou as mãos no rosto, abraçou a esposa e chorou. Era mexicano.

Ouvi comentários também nos arredores do monumento, no metrô, pelas ruas. E não apenas de brasileiros, mas também espanhóis, noruegueses, argentinos, ingleses e sei lá mais quais nacionalidades. No dia seguinte, notei Pelé nas capas dos principais jornais americanos nas bancas de Nova York. Entrei na internet e vi sites estrangeiros e de todo o planeta noticiando a morte do Rei.

Isso me remete a diversas outras passagens. Como em 2016, quando acampei no deserto da Namíbia e conheci alguns nativos de vilarejos próximos. Um deles me perguntou qual era o clube da camisa que eu vestia. "Portuguesa Santista", respondi, emendando que se tratava de um time pequeno da cidade de Santos, no litoral sudeste do Brasil. E o retorno foi imediato: "Santos? Pelé?".

Situações parecidas ocorreram no Peru, no Japão, na Zâmbia, na Espanha, e em um monte de outros lugares que até a memória já não consegue mais alcançar. Pois virou uma reação esperada, natural, parte de um dia a dia comum em qualquer viagem. Falar do Brasil é, automaticamente, falar de Pelé.

E acho que essa descrição deve ser comum a todos os brasileiros que algum dia já foram para fora do Brasil. Em algum momento, em algum lugar, alguma pessoa distinta te perguntou ou comentou sobre Pelé. O Rei virou sinônimo de Brasil, não apenas do nosso futebol, mas também da nossa alegria. Presença constante mesmo longe de casa.

Não importa de onde sejam as pessoas, todas elas já ouviram alguma vez o nome de Pelé. O Rei estendeu as fronteiras do Brasil para os lugares mais distantes e inimagináveis, deixando um rastro na vida de todos nós, amantes do futebol ou não. É praticamente impossível existir alguém que jamais tenha escutado as quatro letras mais famosas do mundo.

Claro que nem precisamos falar da influência da vida de Pelé no destino pessoal de milhões de brasileiros, de todas as partes. Se uma criança chuta uma bola em Santa Rosa do Purus, a menor cidade do Acre, ou na enorme favela da Rocinha, no coração do Rio de Janeiro, qual a dúvida de que o Rei faz parte daquilo?

O que quero dizer com isso é que, um jeito ou de outro, os feitos do Rei dentro de campo refletiram na vida de todos os brasileiros. O que seria do Brasil sem Pelé? Nossa história como nação seria a mesma caso Pelé não tivesse nos levado às fronteiras do infinito e feito desta terra o país do futebol?

Obrigado, Rei, por tudo aquilo que não vi. E nem precisei. Pois Pelé transcende o tempo e para sempre fará parte de nossas vidas.