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Eliana Alves Cruz

Esporte, representatividade e poder

NBA vem realizando diversos protestos contra o racismo - GettyImages
NBA vem realizando diversos protestos contra o racismo Imagem: GettyImages

01/09/2020 04h00

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Nem sempre eles andam juntos, mas quando esporte, representatividade e poder resolvem dar as mãos ninguém segura e nas últimas semanas o mundo assistiu a um passeio inédito da trinca. A violência racial nos Estados Unidos é o epicentro do abalo sísmico que fez a milionária NBA parar, num mundo em que o poder tem outro parceiro quase inseparável: o dinheiro. Vamos conhecer um pouco mais cada um dos membros deste clube.

Esporte

Quando o basquete foi criado no final do século 19 por um professor de educação física da Universidade de Springfield, na americana Massachussets, toda a sociedade americana estava mergulhada na segregação, logo, brancos e negros não se misturavam. Ainda em 1946, quando a NBA (National Basketball League) foi criada, até banheiros separados tinha.

Earl Lloyd quatro anos depois, em 1950, foi o primeiro jogador negro a pisar numa quadra da Liga pelo Washington Capitals. Hoje são majoritariamente pretas as mãos que disputam a bola ao alto no centro da quadra em cada jogo, os rostos que arrebatam fãs pelo mundo e os pés gigantes que parecem ter molas nos calcanhares.

No entanto, a sub cidadania que o racismo sempre impôs à população negra motivou movimentos dentro do esporte norte-americano e 17 anos depois de Earl Lloyd por a bola no cesto e seu nome na história, o sociólogo Harry Edwards criou o Olympic Project for Human Rights (Projeto Olímpico para os Direitos Humanos).

Era o broche desta organização que os atletas panteras negras Tommie Smith e John Carlos usavam no lendário pódio dos punhos cerrados dos Jogos Olímpicos de 1968, no México. E também o atleta branco, o australiano Peter Norman, que não levantou o punho, mas usou o broche porque, afinal, luta por igualdade é uma causa de todos (ou ao menos deveria ser).

Representatividade

Toda a história acima para dizer que não são quaisquer atletas que encabeçam os movimentos que assistimos. São atletas negros forjados na consciência e no letramento racial, cientes do poder e da riqueza que geram, pessoas criadas para entender as violências raciais seculares e o papel que desempenham na engrenagem do bilionário mundo do entretenimento. Eles fizeram valer toda esta força em 2020. A NBA, como instituição, não é consciente. Os atletas são, pois toda instituição tem gente por trás. O componente humano mais visível da indústria esportiva é o atleta e se dele parte a pressão, não há como resistir.

Em dado momento o poder constituído aí em cima, na América do Norte, achou uma boa ideia usar o esporte para provar que racismo era uma coisa do passado, que não havia diferença na sociedade. Então, quem diretamente sofria a exclusão resolveu mostrar a verdade e daí surgiram diversos movimentos e ídolos que aturam e atuam muito além da frase "representatividade importa".

Poder

Impossível não relacionar tudo isto ao recente falecimento do ator Chadwick Boseman, que quando criança queria ser jogador de basquete. O intérprete no cinema do personagem dos quadrinhos Pantera Negra, quando menino, em muito foi influenciado por seus ídolos esportivos. Ele foi justamente parar na indústria que usou em incontáveis ocasiões o esporte como tema associado à meritocracia, "salvadores brancos" e outras crenças que atenuam os efeitos perversos de uma sociedade violenta com corpos negros. Uma engrenagem de imaginação e narrativa que ao mesmo tempo também resgatou personalidades esportivas notáveis propositalmente esquecidas pelo tempo. Chadwick estrelou uma destas produções biográficas de atletas ao dar corpo para o pioneiro negro no basebol, Jackie Robinson.

Como disse no início, toda instituição é feita de gente e pessoas são capazes de causar fissuras nas instituições empedernidas criadas por outros seres humanos. Talvez este seja o real poder, afinal, como diz os últimos versos do poema "Invictus", do inglês William Henley, que motivou Nelson Mandela quando prisioneiro e deu nome a outro sucesso cinematográfico com esporte e questões raciais no centro da trama:

"Por ser estreita a fenda - eu não declino,

Nem por pesada a mão que o mundo espalma,

Eu sou o mestre do meu destino

Eu sou o capitão da minha alma"