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Eliana Alves Cruz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Camisa 24 da seleção, o uniforme que a homofobia barrou

Jogadores da seleção brasileira na Copa América (Reprodução). - Reprodução / Internet
Jogadores da seleção brasileira na Copa América (Reprodução). Imagem: Reprodução / Internet

01/07/2021 04h00

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"Sonhar com filharada... é o coelhinho
Com gente teimosa, na cabeça dá burrinho
E com rapaz todo enfeitado
O resultado pessoal... É pavão ou é veado"
Sonhar com rei dá Leão - Beija-Flor de Nilópolis 1976

A justiça deu 48 horas para a CBF explicar a ausência do número 24 no uniforme da seleção brasileira de futebol que disputa a Copa América. Nós, os anfitriões, somos os únicos que pulam do número 23 para o 25 na numeração das camisas.

Convenhamos, vai alguém tentar explicar em 2021, que os homens que comandam e representam o Brasil no futebol não conseguem vestir o número 24 por causa do...veado do jogo do bicho!

Todo mundo sabe. Historicamente, o número 24 representa o veado no jogo do bicho, animal usado para ofender homossexuais, revelando toda a infantilidade e homofobia da sociedade brasileira há décadas. É algo tão entranhado na cultura popular, que virou verso no samba enredo campeão do carnaval de 1976, primeiro título da Beija-flor de Nilópolis. Quarenta e cinco anos nos separam do desfile da escola azul e branca, mas o tempo não passou para o imaginário nacional quando o assunto é deixar de lado o preconceito.

Curiosamente, foi justamente no último dia 24 de junho que o UOL Esporte chamou a atenção para a questão e a CBF não quis explicar o motivo, mas o juiz Ricardo Cyfer, da 10ª Vara Cível do TJRJ, resolveu dar liminar em consequência da ação apresentada pelo Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT e, para não perder a viagem, decidiu fazer outros questionamentos à CBF, entidade que parece gostar de se ligar a tudo o que de mais retrógrado existe.

O magistrado pergunta se a não inclusão do número 24 é uma política deliberada e qual o departamento e profissionais são responsáveis por isso; se existe alguma orientação da FIFA ou da Conmebol sobre o registro da camisa dos atletas.

Pode parecer uma bobagem, mas não é. Considerando as questões culturais envolvendo o número, a sua exclusão é um discurso completo e, assim como uma regra conhecida do jogo do bicho, vale o que está escrito. O que não está escrito não existe e a sua supressão é um retrato estarrecedor do quão homofóbico pode ser o Brasil.

É uma ofensa sofisticada, mas ainda assim, uma ofensa. É a perpetuação dos estereótipos e da rejeição que motivam jovens a agredir outros jovens por causa da orientação sexual. É a forma pejorativa com que a cultura nacional trata a população LGBTQIA+ que estimula as violências mais extremadas.

A petição inicial é explícita sobre a responsabilidade da Confederação Brasileira: "É dela a responsabilidade de mudar esta cultura dentro do futebol. Quando a CBF se exime de participar, a torcida entende que é permitido, que é aceitável, e o posicionamento faz com que, aos poucos, esta cultura mude".

No último dia do mês em que o orgulho LGBTQIA+ esteve em pauta e toda a sociedade, incluindo times de futebol, parece finalmente se mobilizar para naturalizar as diferenças, foi especialmente emblemático constranger a entidade máxima e, pelo visto, de masculinidade frágil e mínima.

Ricardo Cyfer fundamentou sua decisão e no texto ressalta que "tem se mostrado cada vez com maior clareza o importante papel que a adoção de medidas afirmativas no âmbito das práticas esportivas exercem para o incremento dessa luta (da comunidade LGBTQIA+), com ênfase para aqueles esportes tradicionalmente considerados no universo masculino. E, como no Brasil a popularidade do futebol, esporte que ainda se insere nessa tradição masculina, ainda não foi suplantada por outro, sobressai-se a importância da adoção dessas medidas no contexto das suas competições".

Vergonhoso ver que pessoas adultas precisam ser forçadas judicialmente a superar uma piada velha, anacrônica e ruim ligada a um jogo inventado pelo Barão de Drummond no século retrasado. Duro é ver que ainda tem gente que vive por lá, mas dirige o esporte nacional.