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Eliana Alves Cruz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Eliana Alves: A caravana que passa silenciosa das atletas transgênero

A atleta Maria Joaquina Reikdal, 13 - Arquivo pessoal
A atleta Maria Joaquina Reikdal, 13 Imagem: Arquivo pessoal

21/10/2021 04h00

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A brasileira Maria Joaquina Reikdal, 13 anos, atleta transgênero, foi vice-campeã mundial júnior de Patinação Artística, no último dia de setembro, mas quase ninguém soube.

Como as rodas de patins que deslizam hábeis pela pista, algo caminha rapidamente. Apesar da triste estatística que nos dá o recorde de assassinatos de pessoas transgênero e da parcela de país que recusa a admitir que ninguém mais viverá preso a um passado que enclausura, os avanços se impõem. Como diz o ditado árabe, "Os cães ladram e a caravana passa".

No entanto é curioso, para dizer o mínimo, que no ano em que pela primeira vez uma atleta trans disputou os Jogos Olímpicos, o Brasil tenha uma menina transacionada em um pódio mundial e haja um quase silêncio da mídia nacional. O silêncio é discurso. O silêncio fala de apagamento, de tentativa de ocultação, de indiferença e de negação. O silêncio, quase sempre, grita.

"Terminei em segundo! Queria ter dado mais, chorei (sou ariana). Mas aí lembrei que tenho 5 anos ainda na categoria e é meu Primeiro Mundial! Tô Feliz!", comemorou Maria no Instagram, sem contar toda a grande novela até a chegada deste título.

A atleta foi adotada por um casal dono de uma escola de patinação aos oito anos. Treinando na escola da família, ela começou a se destacar ao mesmo tempo em que pedia aos pais para usar as roupas da irmã. Com nove anos, em uma competição, foi apresentada com o nome masculino com o qual não se identificava, apesar dos pedidos da família e da psicóloga para que fosse tratada como a menina que sempre sentiu ser.

No início de 2020, Maria Joaquina foi impedida de participar do Campeonato Sul-Americano, mesmo classificando em segundo lugar no Campeonato Brasileiro que servia de seletiva para a competição continental. A Confederação argumentou que atletas transexuais femininas teriam níveis de testosterona altos para competirem na categoria feminina. Um argumento já superado com embasamento no que preconiza a Federação Internacional da modalidade, apoiada pelo que determina o Comitê Olímpico Internacional desde 2016.

O COI estabelece quais são os níveis hormonais aceitáveis durante os períodos de treinamento e provas para que uma atleta trans possa competir sem vantagens competitivas. No entanto, Maria Joaquina ainda é uma criança e é acompanhada por um endocrinologista e recebe atendimento há três anos pelo Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo. Apenas para exemplificar, Maria tem taxa de testosterona inferior à de sua irmã mais nova.

O poeta Paulo Leminski tem uma obra intitulada "Distraídos venceremos". Nos tempos atuais, distraídos perdemos direitos essenciais da pessoa humana. Desta forma, a partir da constatação de que não havia base científica e nem tão pouco impedimentos no regramento dos principais órgãos internacionais da modalidade, veio a batalha jurídica. O colunista do UOL Andrei Kampff deu todos os detalhes do caso que foi parar no STJ.

A nós, os leigos nas matérias jurídicas e da ciência do esporte, não nos cabe o "achômetro". A nós, pessoas que desejam a felicidade de outras e celebrar o talento de uma criança que é feliz do jeito que é, que descobriu em uma modalidade esportiva o seu talento e a sua realização, só resta torcer muito para que outras medalhas de vice-campeã mundial cheguem e que estas pratas se transformem em ouro, a medalha dourada de campeã da inclusão e de um mundo distante a léguas percorridas de patins da transfobia.