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"Made in USA": como a nova gestão está mudando a F-1
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GP Brasil de 2003. Dilúvio em Interlagos. Webber bate forte com o Jaguar na Subida do Café. Na sequência, Alonso acerta os destroços, perde o controle da Renault e também bate. Bandeira vermelha. O GP está na 54ª das 71 voltas. Faltam 17 voltas, ou 24% da distância total. Mesmo assim, a direção de prova decide encerrar a corrida. Raikkonen é erroneamente proclamado vencedor. Pelo regulamento, vale o resultado da penúltima volta. No GP seguinte, em Imola, a confusão é desfeita e Fisichella recebe o troféu pelo primeiro lugar.
GP do Azerbaijão de 2021. Líder da prova, Verstappen bate em plena reta, após um problema no pneu traseiro esquerdo. O safety car entra na pista, mas logo depois vem a bandeira vermelha. O GP está na 49ª das 51 voltas. Faltam apenas 2, ou 4% da distância total. Mesmo assim, a direção de prova decide que a disputa deve ser reiniciada. Após a pista ser limpa, um novo grid é formado e os pilotos partem para a decisão. É emocionante! Hamilton vai pro tudo ou nada na primeira curva, erra e a vitória fica com Pérez.
O primeiro episódio relata uma velha prática na F-1 nos últimos anos: bandeira vermelha na segunda metade da prova significava fim abrupto da disputa, mesmo com muitas voltas pela frente. Há outros exemplos, como Portugal-1990, Canadá-1997, Malásia-2009.
O segundo caso, ainda vivo na memória de todos, é uma novidade. E é a mais evidente demonstração da mudança de mentalidade pela qual a categoria passa. Uma transformação diretamente ligada ao seu novo comando. Nascida e enraizada na Europa, a F-1 é cada vez mais americana na gestão. E isso significa priorizar o espetáculo para os fãs.
Nunca, em 71 anos de história, a F-1 havia reiniciado uma corrida com tão poucas voltas para a bandeira quadriculada. O recorde anterior era do GP de Mônaco de 2011, com relargada atrás do safety car a seis voltas do fim.
"Os americanos tomaram conta", resumiu Gasly, terceiro colocado em Baku, ao ser questionado sobre a decisão da direção de prova. "Escolheram o entretenimento. Não me surpreende."
(Em tempo: se a FIA tivesse seguido o procedimento antigo, o francês teria terminado a prova em quinto lugar, longe do pódio.)
Em 2005, uma mudança no regulamento estabeleceu que, sempre que possível, GPs devem ser reiniciados. Só não podem, jamais, extrapolar o limite de quatro horas de duração. Na prática, porém, a decisão é subjetiva e cabe ao diretor de prova.
"Olhei para o número de voltas que restavam, para a quantidade de detritos que havia na pista... Naquele ponto, a melhor opção era suspender a corrida, limpar tudo e então ter um final apropriado para a corrida", explicou Michael Masi, diretor da FIA. "Havia a opção de não recomeçar. Mas não havia motivos para isso. Agimos de acordo com os melhores interesses do esporte."
A associação com a "escola americana" de promoção de eventos esportivos é inevitável. E certeira.
Há pouco mais de quatro anos, a Liberty, um grupo dos EUA com fortes raízes no entretenimento, comprou toda a operação comercial da F-1. Pouco a pouco, vem implementando mudanças na condução da categoria.
A criação de "Drive To Survive", série de sucesso da Netflix, não é coincidência. A F-1 passou também a atuar com força nas redes sociais, antes ignoradas, e a espalhar seu canal de streaming, a F1TV, pelo mundo. Tudo isso para buscar públicos cada vez mais jovens.
Sob a antiga direção, de Bernie Ecclestone, a categoria parecia num beco sem saída, com audiências envelhecendo e não se renovando.
Agora, as mudanças começam a chegar também ao modo de organizar as corridas e entregar um produto melhor ao fã —ou consumidor.
Há pelo menos mais uma novidade à moda americana no horizonte.
A F-1 estuda seguir o que fazem outras categorias, como a Indy, e punir o piloto que causar bandeira vermelha numa sessão classificatória. Ele teria o melhor tempo cancelado, independentemente da circunstância.
Em Mônaco e no Azerbaijão, as sessões que definiram os grids foram encerradas da mesma forma: acidentes e bandeiras vermelhas. Leclerc bateu no principado. Tsunoda, em Baku. No caso do monegasco, o acidente causou polêmica, já que ele tinha o melhor tempo e, com a bandeira vermelha, assegurou a pole position.
"Estamos considerando mudar o regulamento. Vamos avaliar prós e contras, assim como os efeitos colaterais de algo assim. Isso será discutido com as equipes", disse Masi, em Baku.
Os puristas talvez comecem a chiar em breve. Mas disso não devem passar.
A Liberty já começa a colher os frutos dessa F-1 "made in USA".
As mudanças vieram para ficar.
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