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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Grosjean, um homem de coragem

O francês Romain Grosjean, da equipe Dale Coyne, exibe anel em Indianápolis, no último fim de semana - Penske Entertainment/James Black
O francês Romain Grosjean, da equipe Dale Coyne, exibe anel em Indianápolis, no último fim de semana Imagem: Penske Entertainment/James Black

Colunista do UOL

20/08/2021 13h24

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Qualquer que seja o desfecho, uma grande história será escrita neste sábado por mãos ainda marcadas pelo fogo.

Exatos 265 dias após ter sobrevivido à explosão do carro da Haas no Bahrein, Romain Grosjean vai fazer sua estreia em ovais. Correrá a 13ª etapa da Indy em Gateway, circuito de 1,25 milha, ou pouco mais de 2 km.

É a conclusão de dois longos processos de convencimento. Primeiro, o francês precisou convencer a si próprio de que queria correr em ovais. Depois, precisou persuadir a família.

Quando chegou à Indy, no começo do ano, Grosjean foi peremptório. Declarou que, por respeito à sua mulher e seus filhos, não correria em ovais. Julgava-os perigosos demais. Não eram para seu momento de vida.

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Grosjean é socorrido após acidente no GP do Bahrein, em novembro de 2020
Imagem: Reprodução/TV Globo

"Se eu tivesse 25 anos, sem filhos, faria a temporada inteira. Não seria um problema. Mas sou pai de três filhos e por dois minutos e 45 segundos, eles pensaram que tinham perdido o pai no Bahrein. Não posso fazer minha família passar por isso de novo", disse. "Não quero mais que eles fiquem na frente da TV, sofrendo com aquela sensação."

Por causa dessa decisão do francês, a Dale Coyne contratou Pietro Fittipaldi exclusivamente para usar seu carro nos ovais. O brasileiro correu no Texas e em Indianápolis e, originalmente, estava escalado para correr em Gateway.

Mas a situação mudou.

Depois de uma excelente primeira metade de temporada, com uma pole e lutas por vitórias, Grosjean se animou. Resolveu experimentar.

Em julho, participou de uma sessão de testes lá mesmo em Gateway. Estava acompanhado da mulher, Marion, e dos três filhos. Gostou. E convenceu o "conselho familiar" de que aquele seria um bom lugar para essa estreia.

De fato, Gateway é um oval menos perigoso do que Texas e Indianápolis. E assim lá estará ele, mergulhado numa programação intensa: treino livre (14h de Brasília), classificação (18h) e corrida (22h) num mesmo dia.

É uma grande história porque remete à essência do esporte a motor. Tem a ver com coragem, com testar os próprios limites, com o vício pela velocidade.

Ao imaginar as mãos queimadas de Grosjean calçando as luvas para correr num oval, me vem à mente uma história quase centenária.

Em 1925, o italiano Tazio Nuvolari, que depois faria sucesso em carros, estava em Monza para uma prova de motos 350cc. Era o Grande Prêmio das Nações, corrida de grande prestígio na época. Ocorre que ele sofreu um acidente grave nos treinos e quebrou as duas pernas. Os médicos recomendaram um mês de recuperação. Fim do sonho? Longe disso.

No dia seguinte, Nuvolari apareceu no circuito. Pediu para ser amarrado à moto e deu a largada com dois mecânicos aparando-o para não cair. Venceu. Começou, ali, a virar lenda.

O feito de Grosjean lembra Massa alinhando no Bahrein em 2010, Piquet retornando a Indianápolis em 1993, Hakkinen no grid de Melbourne em 1996, Lauda colocando a balaclava no rosto queimado em Monza-76, Zanardi correndo no WTCC...

Grosjean pode não terminar a corrida. Pode até abandonar nos primeiros metros.

Tanto faz.

Ao largar no oval, o francês colocará o nome entre os grandes "racers" do seu tempo.