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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

F1 inicia testes "zerada" e escondendo o jogo

Pierre Gasly, com o novo carro da AlphaTauri, durante sessão de filmagem em Barcelona, na véspera dos primeiros testes - Samo Vidic/Red Bull
Pierre Gasly, com o novo carro da AlphaTauri, durante sessão de filmagem em Barcelona, na véspera dos primeiros testes Imagem: Samo Vidic/Red Bull

Colunista do UOL

23/02/2022 04h00

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Depois do Mundial mais disputado da história, a pré-temporada mais aguardada de todos os tempos.

Porque nunca tanta gente ao redor do planeta acompanhou a F1. Porque a categoria promoveu uma revolução no seu Regulamento Técnico e começa hoje os testes zerada, com engenheiros e pilotos às cegas. Porque há um grande mistério em torno de uma protagonista do esporte, a Red Bull.

De hoje a sexta-feira, as dez equipes do grid estarão em ação em Barcelona. Será o primeiro reencontro desde o polêmico e histórico GP de Abu Dhabi, há exatos 73 dias. Depois disso, os pilotos testarão os novos modelos de 10 a 12 de março no Bahrein. E só.

No dia 20 de março, lá mesmo no Bahrein, será pra valer: o primeiro GP do 73º Campeonato Mundial de Fórmula 1.

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Detalhe da lateral da F1-75, o novo carro da Ferrari, com "guelras" para o resfriamento dos radiadores
Imagem: Ferrari

Oficialmente, a FIA trata esses três dias em Barcelona como um "shakedown". Ou seja, como uma oportunidade para as equipes checarem o funcionamento dos carros. Por isso não haverá transmissão pela TV, público no autódromo, nem cronometragem ao vivo no site da entidade.

Os tempos serão divulgados sempre com a ressalva de que ninguém estará buscando performance. O propósito, neste momento, é mais básico: ver se tudo funciona.

Não é por acaso. É por cuidado. A F1 que começa a testar hoje no Bahrein é bem diferente daquela que correu em Abu Dhabi, fruto de uma revolução técnica com origem no marketing.

Desde que assumiram a categoria, há pouco mais de cinco anos, os americanos da Liberty entenderam que era preciso chacoalhar o produto dentro e fora das pistas.

A segunda parte foi mais fácil. "Drive To Survive" tornou-se um hit global, as equipes e pilotos embarcaram na onda, e a F1 se tornou um case de crescimento de popularidade no esporte.

A primeira parte, as mudanças nas corridas, estava prevista para 2021, mas a pandemia atrapalhou os planos. A revolução chega agora, com um ano de atraso, e um objetivo claro: GPs mais dinâmicos, com mais ultrapassagens e, consequentemente, mais espetaculares.

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Lance Stroll pilota o novo Aston Martin em sessão de filmagem em Silverstone, permitida pelas regras
Imagem: Glenn Dunbar/Aston Martin

Os carros foram redesenhados do zero por uma equipe de engenheiros liderada por Ross Brawn. A ideia central das novas regras é permitir que os carros se aproximem uns dos outros com mais facilidade, sem enfrentar a turbulência de ar que era gerada pelos apêndices aerodinâmicos em vigor até o ano passado.

A chave encontrada foi o retorno do efeito-solo, banido da F1 nos anos 80, e que confere ao assoalho a tarefa de "grudar" os carros no asfalto. Assim, os aerofólios puderam ser reduzidos e desenhados de forma a gerar menos turbulência, menos "ar sujo" para quem vem atrás.

Embora o Regulamento Técnico seja bem específico e restritivo, foi curioso acompanhar, nas últimas semanas, como as equipes o interpretaram de maneiras diferentes. Desde o primeiro lançamento, da Haas, no dia 4, vimos algumas tendências, mas também apostas ousadas.

Bicos altos, por exemplo, são a cara da nova geração de carros. E o motivo é óbvio: facilitar o fluxo de ar para o assoalho, tão fundamental a partir de agora.

As novas rodas de 18 polegadas deixaram todos os carros com um visual mais agressivo. Este é outro plano antigo que sai da gaveta. Os primeiros ensaios foram conduzidos em 2018 por Charles Pic (lembram dele?), com uma Lotus. No ano passado, várias equipes experimentaram a novidade com carros adaptados. Agora é pra valer.

E, novamente, o marketing aparece como mola propulsora.

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Nicolas Latifi experimenta o FW44, novo carro da Williams, na pista de Silverstone
Imagem: Williams

O propósito da mudança é principalmente estético: tornar o visual dos carros mais atraente para as novas gerações. "Se você é um garoto de 13 anos e fã da franquia 'Velozes e Furiosos', provavelmente vai gostar desses pneus", exemplificou James Alisson, CTO da Mercedes.

Os novos pneus têm a mesma largura daqueles usados até o ano passado, de 13 polegadas: dianteiros com 245mm, traseiros com 325 mm. O que muda é o diâmetro, 30mm maior, e o peso, cerca de 4 kg a mais.

Está aí mais um ponto que os pilotos terão de trabalhar nos próximos dias: os pneus maiores tiraram parte da visibilidade lateral.

"Levaremos algum tempo para nos acostumar", disse Lando Norris, da McLaren. "Essas rodas maiores podem ser um problema em pistas como Monaco e Singapura." Alex Albon, de volta à categoria, foi na mesma linha: "Vamos sofrer mais nos circuitos de rua. Nos autódromos, você tem mais visibilidade do que está à sua frente. Agora, os pneus e os defletores sobre eles criam alguns pontos cegos nas curvas".

Em termos aerodinâmicos, a AlphaTauri e a Ferrari foram as mais surpreendentes da pré-temporada. A primeira com aerofólios dianteiros divididos pelo bico, e não abaixo dele. A segunda, com um bico modular, que pode ser trocado facilmente sem depender de aprovação em crash tests.

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O A522, novo carro da Alpine para a temporada 2022 da F1, apresentado na segunda-feira
Imagem: Alpine

Há carros com guelras nas laterais, como Alpine e Aston Martin. Há modelos com desenhos bem radicais nas laterais, como Williams e McLaren. Há outros em que dá para servir um almoço sobre as entradas de ar, como Ferrari e Haas. E há a Red Bull.

O que tem a vice-campeã do mundo?

Ninguém sabe ainda. A F1 inicia a pré-temporada com este mistério. Das 10 equipes, apenas a Red Bull ainda não mostrou seu carro real. Na apresentação oficial do time, no dia 9, o que foi mostrado era um protótipo.

Em se tratando de um time que tem Adrian Newey como líder da área técnica, vale ficar com a pulga atrás da orelha. Não será surpresa se o projetista inglês surgir com uma solução disruptiva baseada numa brecha do regulamento. Ele já fez isso algumas vezes.

Hoje saberemos. Ou não. Porque muita gente ainda deve esconder o jogo.

Os testes começam. Mas F1 de verdade, com todas as cartas na mesa, só na abertura do campeonato.