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Na 4ª temporada, 'Drive To Survive' sofre com fim da espontaneidade
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A F1 espera atingir um número mágico em abril: 1 bilhão de fãs. Em 2021, a popularidade da categoria cresceu 20%, sendo que 77% desses novos torcedores têm entre 16 e 35 anos. Para que mexer em time que está ganhando?
A quarta temporada de "Drive To Survive", que estreou na sexta-feira, segue a fórmula de sucesso que fez da série um dos pilares desse crescimento. Está tudo ali: o didatismo para quem nunca viu uma corrida, as cenas de bastidores, os momentos de desabafo, as tentativas de humanizar os personagens e até um mergulho mais profundo na vida daquele se tornou um showman do projeto, o improvável Gunther Steiner, da nanica Haas.
O problema é que já começa a cansar. A receita chegou a um ponto em que é possível prever as cenas seguintes. Esqueçam a espontaneidade das primeiras temporadas. Tudo agora é estudado e ensaiado por assessores de imprensa e profissionais de relações públicas.
Compreensível. Gravar para a Netflix tornou-se mais um ponto da rotina das equipes nos fins de semana de GP, como calibrar pneus, treinar pit stops ou comparecer a entrevistas coletivas.
Ou alguém realmente acredita na veracidade da cena do almoço que Wolff oferece a Bottas para lhe explicar as razões de sua demissão? Ou na naturalidade do diálogo entre Horner e a mulher, a ex-Spice Girl Geri Halliwell durante um passeio a cavalo no campo? Ou na singeleza do papo entre Sainz e Leclerc enquanto percorrem as ruas de Mônaco a bordo de uma Ferrari?
É grave. Porque os bastidores sem filtro foram o grande charme das primeiras temporadas, o diferencial de "DTS" _acrônimo criados pelos fãs.
Uma coisa é ver o esplendoroso "The Last Dance", sobre Michael Jordan e aquele time dos Bulls, com diálogos de vestiário captados há mais de 20 anos. O mérito de "DTS" foi mostrar conversas como aquelas, mas gravadas num dia desses, sobre episódios ainda frescos na memória de quem segue a F1, e que podem ter reflexos, gerar rancores nos protagonistas ainda em atividade.
Agora, excluindo os momentos de sangue quente nos boxes e nas pistas, é tudo treinado.
(Há outra exceção, que quase passa despercebida no primeiro episódio, mas é emblemática: Toto e Susie Wolff saudando amistosamente Masi na chegada ao autódromo do Bahrein para a primeira corrida do ano. Quem diria...)
Chapa-branca, e pisando em ovos para não desagradar nenhum fã em nenhuma parte do globo, a série também ignora questões de ativismo, não entra em polêmicas que ajudaram a dar o tom de 2021. As manifestações de Vettel na Hungria e de Hamilton no Catar, por exemplo, são ignoradas. Seus capacetes coloridos aparecem sem nenhuma contextualização.
Tudo isso acontece por um motivo. O objetivo da série é um só: atrair mais torcedores para a F1. E vem dando muito certo. "DTS" tornou-se um case de sucesso no esporte.
Quando a Liberty Media chegou, há pouco mais de cinco anos, a categoria estava em declínio de popularidade, sem personagens carismáticos, sem disputas na pista, tornava-se cada vez mais uma modalidade de nicho. Veio o acordo com a Netflix. A série estreou no ano seguinte. E mudou completamente o cenário. Os 400 mil torcedores nos três dias de GP dos EUA, cinco meses atrás, são a mais clara materialização do fenômeno.
Nesse esforço para atrair fãs, o didatismo é fundamental. "DTS" pode ser visto como um curso rápido de F1 para os não iniciados. Os jornalistas Jennie Gow e Will Buxton são os responsáveis por conduzir o roteiro e garantir o bê-á-bá, com frases feitas e às vezes muito basais como "na corrida, não há margem para erros" ou "na F1, tudo depende de detalhes".
Outra forte marca da temporada são os duelos de personalidade. Hamilton x Verstappen, Wolff x Horner. De um lado, o piloto consagrado que joga limpo. Do outro, o jovem que faz qualquer coisa na sua busca pela glória. Ok, confere. E os dirigentes? No fundo são iguais. Homens obcecados pelo trabalho e que pisariam na cabeça da mãe para atingir o sucesso.
O primeiro capítulo ressuscita um velho termo usado para rotular os dirigentes da categoria: Piranha Club. Wolff e Horner vestem bem este figurino.
Ao longo dos dez capítulos, o cursinho de F1, ou série, tem outros méritos.
Serve, por exemplo, para lembrar que Mazepin não fará falta nenhuma. E para revelar detalhes de como funciona a pressão de um patrocinador quando seu piloto não vai bem. "Quando chove merda, nunca é garoa", ensina Steiner em determinado momento, frase lapidar e que vale levar para a vida.
Vale por apresentar Susie Wolff como CEO da equipe Venturi na Fórmula E. É como ex-pilota e dirigente, não como mulher de Toto, que ela fala sobre a disputa do campeonato.
É ainda uma chance de ver e rever os figurinos espalhafatosos de Hamilton nas chegadas aos autódromos, de entender que Tsunoda ainda é um moleque bagunceiro, de conhecer um pouco mais de Russell, que atrairá tantos holofotes a partir do próximo fim de semana.
E, principalmente, a quarta temporada de "DTS" escancara a personalidade errática de Masi, o que culminou com a lambança na última etapa do Mundial.
Para começo de conversa: o australiano dá entrevista. Isso já é errado. Vale o mesmo do futebol: quando o juiz aparece, é porque o foco foi desviado.
Em vários episódios, a série reforça como os diálogos dele com Wolff e Horner foram absurdos, quase abusivos. Recorro aqui à outra máxima do futebol: juiz não tem que dialogar com jogador, tem que mandar, tem que impor sua autoridade. Masi foi muito condescendente ao longo de todo o ano.
Deu no que deu.
O Mundial de 2022 começa na sexta-feira e a equipe da Netflix estará lá no Bahrein. O desafio será fazer algo diferente. Não por coincidência, Stefano Domenicali, homem forte da F1 na Liberty, disse na semana passada que espera que só vale manter a produção se a série agregar valor à categoria.
Campeão mundial, Verstappen não participou de gravações especiais para a quarta temporada de "DTS" alegando que os produtores forçavam algumas situações. Seus depoimentos e encenações não fizeram falta: o que foi captado de suas conversas e ações no paddock e na pista cumpriu bem o papel de apresentá-lo.
Talvez esteja aí a saída para a quinta temporada: menos câmeras subjetivas, mais sagacidade na captação das cenas.
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