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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pílulas do Dia Seguinte: Cordialidade entre Leclerc e Verstappen vai durar?

Charles Leclerc e Max Verstappen se cumprimentam ao fim do GP da Arábia Saudita, em Jeddah - Ferrari
Charles Leclerc e Max Verstappen se cumprimentam ao fim do GP da Arábia Saudita, em Jeddah Imagem: Ferrari

Colunista do UOL

28/03/2022 08h23

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A foto acima me encanta. Pela luz, pelas cores, pelos gestos. Fotos boas são assim, provocam sentimentos e reflexões. A imagem do alto deste post, de Leclerc e Verstappen após cruzarem a linha de chegada em Jeddah, me traz um acalento, uma suspeita e um questionamento;

O acalento é de ver dois esportistas sendo esportistas. Minutos antes, monegasco e holandês estavam batendo roda a mais de 300 km/h em um circuito de rua, com muro pra todo lado. Não houve um cisco de deslealdade. Ambos queriam ferozmente a vitória, mas souberam ceder no momento certo, não fecharam, não jogaram pra fora, não levaram risco ao adversário. Deveria ser a regra, mas sabemos que não é bem assim. Por isso, o acalento;

A suspeita, que já escrevi aqui no ano passado, é que Verstappen tem uma espécie de bloqueio psicológico com Hamilton. Talvez até por admiração às suas conquistas e ao seu talento. Imagine um carro prateado no lugar do vermelho ontem. Não precisa de muita criatividade: aconteceu há menos de quatro meses e foi feio. Em 2021, era um susto a cada curva. Schumacher tinha o mesmo com Senna, seu ídolo: bastava encontrá-lo na pista para se portar de jeito diferente. É humano, é o novo querendo superar o já estabelecido a todo custo;

O questionamento, que talvez responda à suspeita anterior, é entender se este duelo continuará assim, com tanta lealdade, até o fim da temporada. Há oito longos meses pela frente, viagens desgastantes, zunzunzum de paddock... E, como escrevi no sábado, a polarização Ferrari-Red Bull é uma realidade para este campeonato. Leclerc e Verstappen devem seguir lutando por vitórias ao longo do Mundial. Espero, muito, poder publicar uma foto semelhante a esta em novembro, depois de Abu Dhabi, qualquer que seja o campeão;

Blefar não é deslealdade. É do jogo. E a Red Bull caiu como uma patinha ontem na encenação da Ferrari na 15ª volta. Combinado ao imponderável da batida do Latifi _ou não, porque ele bate toda hora_, o blefe culminou na liderança de Leclerc e teria lhe dado a vitória não fosse o safety car do Ricciardo nas voltas finais. O vídeo está no tuíte abaixo.

Mas houve o safety car do Ricciardo, reforçado pelo abandono de Alonso no mesmo ponto da pista, a entrada do pit lane. A prova foi retomada na 41ª volta. E então vieram dois lances capitais. O primeiro, a reação mais rápida de Verstappen na relargada, que lhe deu condições de encostar e atacar na 42ª. Leclerc retomou a ponta na 43ª, mas o holandês não se deu por vencido. Soube esperar. E viu que era a hora certa na 45ª, quando a Ferrari à sua frente deu três traseiradas. O adversário estava sem pneus. Ultrapassagem final feita, vitória no bolso;

Pneus em diferentes níveis de desgaste, novo Regulamento Técnico e a manutenção das asas móveis. Eis a receita para que as duas primeiras corridas do ano tenham sido tão boas;

"Acho que a asa móvel precisa continuar por algum tempo ou as corridas ficarão muito chatas. Está mais fácil perseguir o carro à frente, e este foi um passo importante, mas ainda não é o suficiente para nos livrarmos dela", disse Leclerc, ao fim do GP. "O DRS virou parte das corridas e gosto disso. É parte das estratégias de cada piloto sobre atacar e se defender". Verstappen foi na mesma linha: "Sem o DRS eu não teria passado. Teria terminado em segundo";

max1 - Divulgação/F1 - Divulgação/F1
Max Verstappen à frente Charles Leclerc após a ultrapassagem final no GP da Arábia Saudita
Imagem: Divulgação/F1

É uma boa discussão. O DRS (sigla para Drag Reduction System) foi criado em 2011 para tentar salvar as corridas do marasmo em que estavam. Ninguém passava ninguém. A ideia é dar uma vantagem para o piloto que está atrás, tentando ultrapassar, a menos de 1 segundo do alvo. Ao apertar de um botão, sua asa traseira abre e ele perde boa parte do arrasto aerodinâmico. Ok, as corridas melhoraram, mas não ficaram lá uma maravilha...;

Desde então, a maior mudança no Regulamento Técnico veio agora, em 2022. E o objetivo foi justamente mexer na aerodinâmica dos carros para melhorar o espetáculo. Asas foram reduzidas e o efeito-solo voltou para facilitar a aproximação entre carros. O DRS foi mantido, mas com um asterisco: será limado se a FIA entender que não é mais necessário. Os dois primeiros colocados na prova de ontem já disseram o que pensam disso;

Os puristas clamam que a asa móvel precisa ser extinta porque traz um "elemento artificial" para a disputa. Mas o que não é artificial numa corrida de F1? Ir por este caminho é entrar numa discussão sem fim. Vamos ficar falando sobre desníveis de motores, sobre diferenças de orçamento, sobre horas em túneis de vento... Como bem disse Leclerc, o DRS já faz parte das estratégias, é o mesmo para todo mundo. Quem com DRS fere numa volta, pode ser ferido pelo DRS na volta seguinte. As corridas estão boas. Deixem-nas assim;

Abri o texto comentando uma imagem dos protagonistas do GP, mas há outra que não passou despercebida. O personagem é Hamilton. Ele para o carro, desce, caminha sozinho até uma parede de vidro, encosta, coloca as mãos nos joelhos, fica assim por alguns segundos, vira as costas e começa a caminhar. É a imagem da desolação. Há pouco menos de quatro meses, naquele mesmo circuito, o inglês emplacou um hat trick. Ontem, não passou de décimo;

"Tudo o que sei é que no final da corrida eu não conseguia acompanhar a Haas". Esta frase do heptacampeão resume tudo;

russell - Mercedes - Mercedes
George Russell, quinto colocado em Jeddah, em ação durante o GP da Arábia Saudita
Imagem: Mercedes

O que está acontecendo com a Mercedes? Russell deu a mais esclarecedora das explicações até agora. Ele acredita que as batidas no chão, o tal "porpoising", são responsáveis por "99% dos problemas" do time. Quinto colocado em Jeddah, ele disse o seguinte: "Há muitos fatores envolvidos nisso, como a resistência mecânica do carro, a resistência do assoalho, o design do assoalho, a pressão dos pneus... O próprio acerto do motor. Quanto mais rápido você vai, pior fica. Então fica ainda mais difícil em ritmo de classificação, porque colocamos o motor em potência máxima, mas mais velocidade gera mais pressão aerodinâmica e o carro bate mais no chão. É um processo de aprendizado, mas ainda estamos longe de uma solução";

Na live pós-GP de ontem, o Flavio Gomes perguntou se eu acreditava na reação da Mercedes ainda nesta temporada. Respondi que é sempre um erro subestimar a capacidade de uma equipe deste porte, octacampeão mundial de Construtores. Mas, ao ler a declaração de Russell, começo a ficar mais cético. Ou seus engenheiros acertam no desenho de um novo assoalho, o que é complicadíssimo porque impacta em toda a harmonia do carro e há um teto de custos a cumprir, ou daqui a pouco é melhor já pensar em 2023;

Ocon x Alonso. Como é bom ver uma disputa como aquela sem interferência da equipe;

A Fórmula 2 tem um brasileiro na liderança! Felipe Drugovich largou na pole position e venceu a quarta etapa da temporada, em Jeddah. Tem agora 45 pontos no campeonato, 11 de vantagem sobre o neozeolandês Liam Lawson. É um belíssimo início de temporada. Se mantiver a regularidade e fechar o ano na mesma posição, o sonho da F1 ficará mais perto;

drugo - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Felipe Drugovich comemora a vitória na quarta etapa da Fórmula 2, na Arábia Saudita
Imagem: Reprodução/Twitter

"Ninguém pode julgar nossa moral. Qual é o critério? Esta é a questão. Nossa posição, sempre será assim, é acreditar que o que estamos fazendo pode ter um impacto muito positivo em questões políticas, em todos os níveis." A declaração de Domenicali, o chefe da Liberty, foi uma exceção em meio ao silêncio imposto no circuito de Jeddah desde sexta-feira. Uma pena, já que foi claramente redigida por um assessor especialista em gestão de crises. Alguém realmente acredita que a F1 pode trazer paz para o Oriente Médio? Porque é isso, no fim das contas, que o italiano insinua. E se ele acha que a F1 pode ter "impacto positivo em questões políticas", por que não correr na Rússia e tentar, assim, comover Putin e seus asseclas? Teria sido muito mais sincero dizer algo na linha: "Temos um contrato importante e de longa duração com os sauditas e não seria prudente quebrá-lo neste momento". Ninguém aqui é bobo.