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"Às 16 horas de hoje, no autodromo de Interlagos , totalmente reformado, começa o Grande Premio do Brasil, o maior espetaculo do automobilismo brasileiro em todos os tempos.
Pela primeira vez no País, estarão competindo aqui, os poderosos carros de Formula 1, dirigidos por alguns dos melhores pilotos do mundo. São 37 voltas, completando uns 290 km: a média horária esperada é de uns 180 km.
O brasileiro Emerson Fittipaldi assegurou ontem, com sua Lotus 72-D, o posto de honra na largada ao assinalar, nos treinos de classificação, a marca de 2'32''363 para o circuito de Interlagos, correspondendo à media de 188,086 quilometros por hora."
Há exatos 50 anos, em 30 de março de 1972, a Primeira Página da Folha apresentava assim o primeiro GP do Brasil. Em plena quinta-feira. Um pouco mais pra frente, o mesmo texto alertava para o "tradicional congestionamento de todos os caminhos para o autodromo em competições importantes".
Era uma prova extracampeonato. Um teste. O Brasil tinha um piloto vencedor numa equipe de ponta, vivia o auge do milagre econômico, era o "país do futuro", vinha de uma conquista de Copa com uma seleção mágica...
Não tinha como dar errado.
Muita coisa deu. A começar pelos inscritos: como a prova não valia para o campeonato, muitas equipes, McLaren, Ferrari e Tyrrell entre elas, não vieram para o Brasil. Só 12 pilotos alinharam no grid. No dia da prova, torcedores pularam os muros do autódromo, arrancaram placas de publicidade e acamparam em gramados e barrancos. Um congestionamento monstro travou as rotas para Interlagos, e motoristas abandonaram seus carros em plena Marginal Pinheiros. "Do lado de fora do autódromo formavam-se extensas filas para a compra de ingressos", relatou a Folha do dia seguinte. Sim, jovens, antigamente existia um negócio chamado bilheteria. Quer mais? "O público mostrava bastante entusiasmo e se divertia atirando copos de plástico ou vaiando os carros de conservação que passavam na pista."
Mas a F1 e o mundo eram mais condescendentes, menos pasteurizados. Era uma primeira vez, tanta bagunça podia ser perdoada. O que importa é que tudo correu bem na pista e o homem da FIA saiu satisfeito com o que viu. A Folha relatou o encantamento: "O diretor da prova, o francês Paul Frere, representante da Federação Internacional de Automobilismo, disse que o autodromo de Interlagos é incomparável, no mundo, quanto às condições de visibilidade, e seu circuito só perde para o de Hockenbuck, na Alemanha".
(Nunca houve circuito de Hockenbuck na F1. Minha solidariedade ao repórter que o ouviu naquele dia. Escutar "Hockenheim" num sotaque francês com todo aquele barulho de autódromo não é fácil.)
Ao volante daquela mítica Lotus preta e dourada, Emerson liderou a corrida até a 31ª das 37 voltas, para delírio do público. Mas abandonou com a suspensão quebrada. A vitória caiu no colo de Carlos Reutemann, da Brabham. O sueco Ronnie Peterson, da March, foi o segundo. Wilsinho, o primogênito do Fittipaldi e companheiro do argentino, completou o pódio.
Foi uma prova que "arrebatou o Brasil inteiro", como descreveu o comentarista Geraldo José de Almeida na transmissão da Globo. Há um bom trecho disponível aqui abaixo, uma preciosidade.
Outros dois brasileiros disputaram a prova: Luiz Pereira Bueno foi o sexto, enquanto José Carlos Pace, que desde 1985 batiza o autódromo, abandonou depois de apenas uma volta.
Começo aqui uma rápida digressão.
Tenho 47 anos. Nasci no ano do bi do Emerson, quando a F1 já era uma realidade por aqui. Mas é engraçado, porque algum lugar da memória guarda essa sensação deliciosa de acampar no gramado de autódromo à espera dos carros mais velozes do mundo.
Foi algo que sempre me intrigou, essa nostalgia do que não vivi.
Minha suspeita era que isso tivesse vindo da literatura. Fui um leitor voraz quando criança, e livros têm essa capacidade: despertar emoções que nunca vivemos. Hoje, instigado pela efeméride do GP, fui pesquisar. Eureka! O Google resgatou, dos confins das minhas lembranças, o "O Enigma do Autódromo de Interlagos", de Stella Carr, lançado em 1982.
Não lembro detalhes, apenas que havia algum mistério envolvido (por óbvio) e que os personagens acampavam em Interlagos. A narrativa provocou em mim o fascínio por essa ideia: um dia acampar no autódromo e ver aquelas máquinas rasgando seu traçado.
Nunca realizei o primeiro sonho, embora tenha passado algumas madrugadas na fila do Setor G. O segundo excedeu qualquer expectativa, mas lembro com carinho da primeira vez, em 1990. Foi um choque. Pego-me imaginando aqueles jovens, no início dos 70, sem muito acesso a fotos e vídeos e sons, vendo um F1 deixar os boxes e mergulhar naquele traçado maravilhoso...
Fim da digressão.
Interlagos foi aprovado, a corrida já passou a integrar o Mundial no ano seguinte e o Brasil nunca mais deixou o calendário da F1.
Foram 48 edições oficial da corrida até hoje. Dez provas aconteceram em Jacarepaguá (1978 e, de forma ininterrupta, entre 1981 e 1989). Todas as outras, em Interlagos.
Nesses 50 anos o mundo mudou, a F1 se modernizou e Interlagos seguiu essa transformação. O traçado antigo já não existe faz tempo, e a estrutura do autódromo hoje não deve nada para as de circuitos da Europa.
Mas aquela aura segue lá. O fascínio revelado por Paul Frere, da FIA, continua.
A pesquisa global promovida pela F1 no ano passado apontou o circuito paulistano como um dos favoritos de fãs do mundo todo. Temporada após temporada, o GP Brasil é dos melhores do calendário.
E o que foi a corrida de 2021?
Não existe outro evento anual desta dimensão há tanto tempo no Brasil. Você já parou pra pensar? Uma vez por ano, há cinco décadas, as maiores equipes e os melhores pilotos do mundo cruzam o Oceano e vêm aqui, correr no nosso quintal. Que sorte, a nossa.
Que siga assim, por gerações. "O maior espetaculo do automobilismo brasileiro em todos os tempos" faz parte da história do país. E, melhor, Interlagos tornou-se uma parte indissociável da história da F1.
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