Topo

Fábio Seixas

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

'Estou esperando meu passaporte brasileiro', diz Hamilton em evento em SP

Lewis Hamilton participa de evento na cidade de São Paulo - LEANDRO CHEMALLE/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO
Lewis Hamilton participa de evento na cidade de São Paulo Imagem: LEANDRO CHEMALLE/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

13/04/2022 12h10

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

"Bom dia. Este é o maior público que já vi. Tem um pouco de Brasil em mim."

O público aplaudiu, assobiou, ficou de pé e, desafiando a orientação da organização de não fazer fotos e vídeos, todo mundo mandou o dedo no celular. No centro do palco estava Lewis Hamilton.

O heptacampeão mundial mostrou em São Paulo, nesta quarta, suas habilidades no palco, sua faceta de palestrante. Foi a principal atração do VTEX DAY, evento de inovação digital que, em 2019, recebeu Barack Obama.

Falou sobre sua jornada de vida, a de um garoto negro, classe média de uma cidade do interior da Inglaterra, que encarou todos os desafios para chegar à F1 e se tornar o maior vencedor do esporte. Discursou sobre suas iniciativas para aumentar a presença de minorias no esporte. E, num momento de franqueza, abriu o jogo sobre sua saúde mental.

Antes de o piloto subir ao palco, dois vídeos deram o tom do que viria pela frente: o primeiro trazia cenas de Hamilton ainda criança, no kart, o segundo mostrava a emocionante volta de celebração em Interlagos, no ano passado, com a bandeira do Brasil.

"Ayrton era o piloto que eu queria ser. É claro que, como todo garoto, eu jogava futebol, eu via futebol, via a seleção brasileira... Mas quando voltava da escola colocava uma fita no videocassete para ver o Ayrton. Fazia isso todo dia", contou, para uma plateia de cerca de 8 mil pessoas. "Quando Ayrton morreu eu estava correndo. Meu pai sempre foi um homem negro muito forte e não me deixava chorar. Então tive que me afastar por alguns instantes."

A primeira visita ao Brasil, contou, demorou 13 anos. Só pisou por aqui na sua primeira temporada pela F1, ainda na McLaren.

"Vim ao Brasil pela primeira vez em 2007 e me senti muito próximo do Ayrton, eu o via em todos os lugares. Eu estava correndo contra o Felipe, não foi fácil naquele ano, mas eu sempre tive muito apoio aqui. Os fãs são incríveis. Amo vocês. Quando dei aquela volta de celebração, vi a bandeira na curva 10 e algo me impulsionou a pegá-la. Foi um momento de grande orgulho pra mim."

O flerte com o público brasileiro foi ao auge quando ele foi convidado pelo anfitrião, Mariano Gomide de Faria, fundador da VTEX, a conhecer mais o Brasil: "Só estou esperando meu passaporte brasileiro".

Pronto! Mais uma rodada de aplausos e assobios e fotos proibidas.

Mas o Hamilton palestrante é mais do que sua relação com o Brasil. O tema da conversa, afinal, era "De azarão a líder: como prosperar contra todas as probabilidades e se tornar um ícone global".

Azarão? Fãs nas redes sociais ficaram irritados com este termo usado pelo evento. Mas Hamilton deixou claro o quanto sua família ralou para que ele chegasse aonde chegou. "Meu pai chegou a ter quatro empregos pra me manter no kart, pra comprar gasolina, pneus... Eu corria todo fim de semana. As outras crianças faziam o que crianças fazem, mas eu gostava de fazer aquilo. O problema é que eu faltava nas aulas e era repreendido. Mas não me arrependo dos sacrifícios que faço. Hoje quero ganhar a próxima corrida."

No momento mais emotivo da palestra, não se furtou a falar sobre saúde mental, tema tão em evidência no esporte, e que ele trouxe para a F1 após o sumiço que se seguiu ao polêmico GP de Abu Dhabi.

"Amo trabalhar com as 2.000 pessoas que temos na equipe. É minha 16ª temporada na F1, mas tenho a mesma fome do começo, o foco em treinar, na saúde, no lado mental. Acreditem ou não, tenho altos e baixos, dias em que acho que não sou bom o suficiente, que acho que falhei. Mas temos que nos levantar, acreditar que somos fortes", declarou.

Investidor e empresário fora das pistas, foi instado a fazer um paralelo entre suas atividades: "Não existe alta performance sem riscos. Se não nos desafiarmos todos os dias, se não estivermos desconfortáveis, não evoluímos. Tento me educar o tempo todo, entender o que está acontecendo ao redor do mundo e usar o tempo que tenho enquanto estou aqui".

Por fim, falou também sobre o relatório que liderou no ano passado para tentar aumentar a diversidade no paddock da F1. "Eu sempre fui o único negro na equipe, nos boxes. Quando eu perguntava o motivo, nunca ouvi uma resposta satisfatória. Acho que eles não estavam realmente interessados em achar uma resposta. Fizemos este trabalho e já começamos a ver algumas minorias representadas no esporte. Meu objetivo é ver um esporte mais diversificado em 10 ou 15 anos. Sinto que esta é minha responsabilidade minha."

Ao fim do evento, novo apelo à sua identificação do Brasil. O anfitrião colocou um boné do Banco Nacional e abriu uma bandeira brasileira no palco. Hamilton adorou, entrou na onda. Posou para fotos e se despediu.

Na fileira atrás da minha, duas moças conversavam. "Como ele é simpático." Sim, foi um show de simpatia. O Hamilton palestrante também é um cara admirável.