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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para presidente da FIA, piloto bom é piloto calado

Mohammed Ben Sulayem (à dir.) com o príncipe Albert no fim de semana do GP de Mônaco  - Twittter/Mohammed Ben Sulayem
Mohammed Ben Sulayem (à dir.) com o príncipe Albert no fim de semana do GP de Mônaco Imagem: Twittter/Mohammed Ben Sulayem

Colunista do UOL

08/06/2022 15h11

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Agnes Carlier é uma veterana das salas de imprensa da F1, uma das jornalistas mais respeitadas do paddock, daquelas que sabem fazer um entrevistado falar. Ela entrevistou o novo presidente da FIA. E Mohammed Ben Sulayem revelou uma incômoda faceta autoritária.

Há seis meses no cargo, o emirático tem uma lista extensa de tarefas a cumprir. Entre suas promessas de campanha, prometeu levar o esporte a motor a países emergentes e em desenvolvimento. Precisa acertar a situação financeira da entidade, que descreveu como "fraca". No lado da mobilidade, há muitos nós a desatar para a expansão da eletrificação. E, na joia da coroa, a F1, ainda há muito trabalho a fazer após as lambanças do último Mundial.

Mas ele está preocupado com o que os pilotos pensam e falam, especialmente sobre direitos humanos. Eleito com um discurso de modernidade, mostra uma mentalidade do século passado. Para Sulayem, pilotos não deveriam ir muito além de temas como pneus e aerofólios.

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Sebastian Vettel com o capacete pintado especialmente para o GP da Hungria do ano passado
Imagem: Twitter/Aston Martin

"Lauda e Prost só pensavam em pilotar. Agora, Vettel pedala uma bicicleta com as cores do arco-íris, Lewis é apaixonado por direitos humanos e Norris fala de saúde mental. Todos têm direito a pensar. Mas, para mim, é uma questão de decidir se vamos ficar o tempo todo ofuscando o esporte com nossas crenças", disse, na entrevista que está no site GrandPrix247.

"Minha cultura é árabe. Sou muçulmano. Eu tento impor minhas crenças para os outros? Não! Nunca! Olhe para nossa operação nos Emirados Árabes. Temos gente de 16 nacionalidades. Mais de 34% são mulheres e há seguidores de sete religiões. Há mais cristãos do que muçulmanos. Mostre-me uma federação com tanta diversidade! Mas eu fico expondo minhas crenças? Não. As regras estão lá. Agora, por exemplo, há uma questão sobre o uso de joias. Eu não escrevi essa regra", afirmou o dirigente.

O parágrafo acima é o equivalente à frase "mas eu tenho até amigos que são gays", comumente tirada da manga por quem comete alguma ofensa homofóbica. Sulayem usa a diversidade da FIA _nada mais que a obrigação, diga-se_ para justificar a besteira anterior.

Mas o ponto central é outro: a confusão entre levantar bandeiras e "impor crenças".

Até onde sei, Vettel não força ninguém a defender a causa LGBTQIA+, Hamilton não amarrou ninguém numa cadeira para ouvir seus discursos sobre diversidade, Norris não provoca problemas ao falar sobre a óbvia necessidade de as pessoas cuidarem da saúde mental.

(Aliás, esta é inédita pra mim: alguém se opor à defesa da saúde mental...)

Por que uma bicicleta ou um tênis ou um capacete com as cores do arco-íris incomoda tanto? O esporte não deveria ser uma plataforma para tornar o mundo melhor, mais igualitário? A razão final do esporte não deveria ser a saúde? E a saúde mental não entra nessa?

Todas as respostas confluem para a mesma conclusão. O novo presidente da FIA não quer que as estrelas do esporte falem. Para ele, devem apenas pilotar e ponto final.

Ex-piloto de rali, ex-membro do Conselho Mundial da FIA, ex-vice-presidente de mobilidade da entidade, Sulayem estudou nos EUA e na Europa e carrega o título de Doutor em Ciência pela Universidade de Ulster, na Irlanda do Norte.

Era de se esperar que fosse mais iluminado...