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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

F1 precisa resolver questão existencial com a chuva

Largada do GP do Japão, interrompido na segunda volta por falta de segurança - Mark Thompson/Getty Images
Largada do GP do Japão, interrompido na segunda volta por falta de segurança Imagem: Mark Thompson/Getty Images

Colunista do UOL

17/10/2022 09h59

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Há um vídeo produzido pela F1 e postado há dois anos no YouTube que provoca um misto de nostalgia, tristeza, perplexidade e irritação.

Está neste link.

Começa com Vettel, aos 21 anos, dominando Monza em 2008 e tornando-se o mais jovem vencedor da história da categoria. Na sequência vem Verstappen ultrapassando 11 adversários em Interlagos-2016, chegando em terceiro e ouvindo Wolff _sim, Wolff, o mundo dá voltas_ dizer que aquele garoto de 19 anos "desafiava a física".

Fuji-1976 não poderia faltar. Virou até filme, "Rush", um dos melhores já produzidos sobre o esporte. Falamos muito da atitude heroica de Lauda, mas esquecemos o que Hunt fez naquele dia: caiu para quinto com um furo no pneu e ao voltar para a pista, com duas voltas para o fim, conseguiu superar dois adversários e terminar em terceiro, posição que lhe garantiu o título.

Donington-1993 tornou-se um clássico, é considerada por muitos "a melhor largada da história". Quarto no grid, Senna caiu para quinto nos primeiros metros. E então deu um show. Na primeira curva, despachou Schumacher e Wendliger. Duas curvas depois, deixou Hill para trás. E antes que a volta terminasse, ultrapassou Prost, assumiu a ponta e partiu para a vitória.

Silverstone-2008 teve algumas cenas parecidas. Hamilton saiu em quarto no grid, pulou para segundo na largada e, na quinta volta, já era o líder. Começou então a virar voltas de cinco a sete segundos mais rápidas que outros pilotos nos mesmos pneus. Não, não errei a conta. A F1 ficou boquiaberta. O inglês venceu com 1min08s de vantagem para o segundo colocado.

O vídeo mostra então o GP da Espanha de 1996, em Barcelona. Com uma Ferrari que era uma porcaria, Schumacher caiu de terceiro para sexto na largada e iniciou uma reação monstruosa. Assumiu a ponta na 12ª volta e venceu com 45s de folga para Alesi, da Benetton. Foi a primeira das 72 vitórias que conseguiria pela escuderia italiana, o início de uma trajetória singular.

O alemão também é personagem do momento seguinte, Suzuka-1994. Mas o herói é outro: Hill. Num dia caótico, cheio de acidentes e com bandeira vermelha, o inglês fez a melhor corrida de sua carreira, superou Schumacher no fim e venceu, mantendo as chances de título.

Vem então um arremesso para o passado: o GP da Bélgica de 1963. A Lotus de Clark estava pulando para quinta marcha e ele passou a corrida toda segurando a alavanca do câmbio com a mão direita, dirigindo apenas com a esquerda. Isso não o impediu de, largando em sétimo, vencer a prova com quase 5 minutos sobre McLaren. (De novo, não errei nas contas...)

Senna surge de novo: Portugal-1985, sua primeira vitória na F1. Era apenas seu 16º GP na categoria, o segundo pela Lotus. Um dia perfeito, saindo da pole e cravando a melhor volta. Naquele dia, o mundo do automobilismo teve certeza de que ali estava um futuro campeão.

O vídeo acaba com o GP da Alemanha de 1968, no velho Nurburgring de quase 23 km, um dia cercado de medo. Três pilotos já haviam morrido naquele ano, entre eles Clark, numa prova de F2. Stewart largou em sexto, fez a melhor corrida da vida, venceu com 4 minutos sobre Hill (o pai). Na volta aos boxes, a primeira coisa que disse ao chefe, Tyrrell, foi: "Quem morreu hoje?"

Como toda lista, há injustiças. Eu colocaria Mônaco-1984, Alemanha-2000, Interlagos-2008...

Em comum, todas essas corridas memoráveis foram disputadas com chuva.

A tristeza, a perplexidade e a irritação vêm com a constatação de que daqui a 10 ou 20 anos a lista pode ser a mesma. Porque a F1 de hoje, afinal, tem aversão a correr na chuva.

Aí não é preciso recorrer a nenhum vídeo histórico, é só lembrar do que houve em Singapura e Suzuka, semanas atrás.

Não se trata, obviamente, de querer ver pilotos morrendo.

O compilado acima traz alguns absurdos e pelo menos duas enormes irresponsabilidades: os GPs de Fuji-1976 e da Alemanha-1968 jamais deveriam ter acontecido naquelas condições.

É bom que os tempos tenham mudado, que a segurança tenha ocupado um lugar central nas decisões da direção de prova. Mas correr no molhado não deveria ter se tornado proibitivo como agora. F1, desde sempre, é sobre testar equipamentos e pilotos em todas as condições possíveis _e, de alguns anos para cá, razoáveis.

Aí é que está ponto. Por uma série de questões, correr na chuva hoje já não é mais razoável.

A "Autosport" prestou um belo serviço na semana passada, explicando alguns porquês.

Tudo começa com os pneus.

Compostos químicos usados no passado para gerar mais aderência hoje são proibidos. Pneus largos, como os atuais, também facilitam a aquaplanagem, situação que se agrava com o desgaste dos sulcos. Mas o mais complicado vem a seguir: os modelos de chuva geram três vezes mais spray do que os intermediários. Isso é quase um carimbo de inutilidade.

Tem a ver, também, com a volta do efeito-solo. O desenho do assoalho joga água de forma mais violenta para cima, como ficou claro em Suzuka. Junte isso à questão dos pneus e o resultado é total falta de visibilidade.

E, embora o site inglês não tenha citado, há o fator Liberty Media.

Tudo o que uma empresa americana não quer é ser acusada de colocar vidas em risco.

Aí já é questão de dilema existencial: o risco é inerente ao esporte a motor.

Liberty, FIA, fabricante de pneus, pilotos e engenheiros precisam conversar e encontrar um ponto de equilíbrio.

Ninguém quer ver ninguém morrendo. Mas os fãs também não podem ser privados de momentos de espetáculo, de demonstrações de perícia, de emoções à flor da pele. Não podem viver apenas de vídeos históricos postados na internet.