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Fábio Seixas

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Mundial de 2008 não foi perdido no Brasil, diz ex-engenheiro de Massa

Rob Smedley com Felipe Massa no GP do Bahrain de 2012 - Mark Thompson/Getty Images
Rob Smedley com Felipe Massa no GP do Bahrain de 2012 Imagem: Mark Thompson/Getty Images

Colunista do UOL

12/11/2022 07h05

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No centro da hecatombe ferrarista no histórico GP Brasil de 2008 estavam Massa, sua família, Jean Todt, os mecânicos da escuderia... E Rob Smedley.

O engenheiro inglês foi o grande parceiro do brasileiro em sua trajetória na F1. Trabalhou lado a lado com Massa na Ferrari, de 2006 a 2013, e foi junto com ele para a Williams, em 2014. Um ano após o brasileiro pendurar o capacete, também deixou o pit wall.

Hoje sua vida é mais tranquila, diz, mas ele segue no centro de decisões importantes da F1. É o diretor de dados da categoria, uma área com papel fundamental nas transformações que a categoria vem experimentando.

Do departamento que comanda já saíram insights para mudanças no Regulamento Técnico da categoria e para inovações nas transmissões de TV, por exemplo.

"O Mundial de 2008 não foi perdido em Interlagos", disse Smedley, 48, em entrevista exclusiva, sobre o título que Hamilton tirou das mãos de Massa na última curva do último GP daquele ano. "Aquele fim de semana foi perfeito para nós. Fizemos todo o possível. Então não foi ali que perdemos aquele campeonato. Foi na quebra de motor na Hungria, foi no problema com a mangueira de combustível em Singapura..."

E Nelsinho ainda bateu no muro, emendei.

"E Nelsinho ainda bateu o muro", completou, com uma expressão de desgosto.

Confira aqui o papo...

Você trabalhou muito tempo com o Felipe, o fã da F1 no Brasil conhece você. Qual é exatamente sua função na F1 agora? Como é a sua rotina?
Eu trabalho junto com a AWS [Amazon Web Services], explorando dados para encontrar formas de aumentar ainda mais o engajamento dos fãs. Passei 25 anos trabalhando com equipes, com Jordan, Stewart, Ferrari, Williams... Então acumulei muito conhecimento sobre o lado técnico do esporte. Meu desafio agora é usar dados para toda e qualquer decisão na F1.

A F1 está passando por uma revolução. Homens como Ross Brawn, meu ex-chefe na Ferrari, Pat Symonds e eu mesmo entendemos o poder dos dados e foi aí que a parceria com a AWS começou. Essa parceria acabou de ser ampliada. Desde 2017, 2018, quando começamos esse projeto, nossa ideia é usar dados para encontrar maneiras mais profundas de engajar os torcedores. Antes, os fãs tinham uma visão muito superficial. Viam os carros dando voltas e só. Mas é um esporte muito complexo. Queríamos explicar o esporte melhor para os fãs.

Anualmente a F1 faz uma pesquisa global com fãs. Esses resultados também ajudam vocês?
Sim. E é por isso que a relação entre a F1 e a AWS funciona tão bem. São duas empresas voltadas para o consumidor, obcecadas pelos fãs. A F1 mudou muito nos últimos cinco anos na forma de tratar os fãs. Agora a F1 é uma experiência muito mais imersiva. A série da Netflix ["Drive To Survive"] trouxe muitos fãs pra dentro. Agora precisamos reter esses fãs. E para isso precisamos engajá-los. Por isso é tão importante ouvir o que eles querem.
A gênese desse carro de 2022 foram os feedbacks dos fãs. Os fãs diziam que queriam disputas mais apertadas. Lembravam de duelos como Mansell x Berger no México [1990], Senna x Piquet na Hungria... São clássicos do automobilismo. Então pegamos este recorte de feedback da pesquisa e usamos a tecnologia para alterar a aerodinâmica dos carros.

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Felipe Massa e o engenheiro Rob Smedley conversam antes do GP da Coreia do Sul de 2012
Imagem: Peter J Fox/Getty Images

Como você imagina as transmissões de F1 daqui a dez anos?
Estamos constantemente tentando trazer o fã para mais perto. Queremos que ele esteja no meio da ação. Pessoalmente eu gostaria que a experiência de ver F1 daqui a dez anos fosse muito mais imersiva. Não sei se será com realidade virtual, realidade aumentada. Esse é nosso objetivo. Levar os fãs para níveis cada vez mais profundos de realidade.

Você mencionou o carro de 2022. O Mundial agora está chegando ao fim. Qual é sua avaliação das mudanças no Regulamento Técnico? Houve corridas com muitas ultrapassagens, outras nem tanto...
O objetivo original sempre foi ter disputas mais acirradas. Nunca foi proporcionar mais ultrapassagens, e fomos muito claros nisso. Não era sobre ultrapassagens, mas era sobre permitir que os carros pudessem ficar mais próximos uns dos outros.

Se você for olhar para o DRS, por exemplo. Muita gente gosta, muita gente não gosta. O DNA da F1 é que a melhor combinação de carro-piloto vença. Se começarmos a criar coisas que mudem essa ordem natural, vamos perder esse DNA.

Se tivermos dois carros que possam correr próximos por cinco ou seis curvas, a 250 km/h, isso é mais importante para os fãs do que um ultrapassando o outro no fim da reta. Se você olhar para as estatísticas, avançamos muito neste ponto, no quanto os carros agora andam mais próximos. Se você ouvir os pilotos, eles também dizem que está muito melhor agora.

Você acha que esses avanços ficaram escondidos numa temporada em que a Red Bull foi tão superior, em que Mercedes e Ferrari erraram tanto?
Se você olhar para o Mundial de 2021, era um regulamento já maduro. Os carros de ponta andavam muito mais próximos. O regulamento deste ano trouxe muitas mudanças, e isso sempre traz oportunidades para uma equipe encontrar algo diferente.

Daqui a três ou quatro anos, este regulamento já estará maduro e aí sim você poderá fazer paralelos com o campeonato com 2021. Hoje estamos comparando maças com pêras.

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Rob Smedley com Felipe Massa, nos tempos de Williams, antes do GP da Inglaterra de 2014, em Silverstone
Imagem: Drew Gibson/Getty Images

Tem F1 em Interlagos neste fim de semana e precisamos falar sobre 2008. Quais são suas lembranças daquele domingo? Você lembra como foi sua primeira conversa com o Massa depois daquela corrida?
Eu lembro, com certeza. Levei muito tempo para conseguir vê-lo naquele dia, porque foi uma loucura. Ele foi para o pódio, teve que dar muitas entrevistas... Foi uma festa de título mundial. Então eu tive muito tempo para refletir antes de encontrá-lo. Quando aconteceu, nós dois estávamos com aquela sensação de ter perdido o campeonato por um ponto, mas cientes de todos os esforços que fizemos. Aquele fim de semana foi perfeito.

Estávamos também muito orgulhosos. Se você lembrar, o Felipe tinha chegado à Ferrari apenas dois anos antes e ainda era um piloto imaturo. Ele passou por uma transformação muito rápida: era um garoto em 2006, tornou-se um homem em 2008, capaz de liderar uma equipe como a Ferrari, de se tornar parte da história da equipe.

Refletindo 14 anos depois, aquele Mundial foi perdido no Brasil, em Singapura ou em algum outro lugar?
Foi perdido em todo lugar. Sempre que você perde pontos... Com certeza não foi perdido no Brasil, porque não poderíamos conseguir mais naquele fim de semana. Fizemos o máximo aí.
Perdemos pontos importantes em Singapura, com o erro no pit lane. Em Budapeste, estávamos com uma grande vantagem, mas o motor estourou. Na Malásia ele estava em segundo, atrás do Kimi, e rodou. É difícil fazer um campeonato sem erros, nunca aconteceu.
Então houve esses dois fatores principais: o problema no abastecimento em Singapura e o motor em Budapeste. Se um dos dois não tivesse acontecido, teríamos sido campeões.

E em Singapura Nelsinho ainda bateu no muro...
E em Singapura Nelsinho ainda bateu no muro...

Você às vezes para para pensar no que teria acontecido se o Felipe tivesse conquistado aquele título? Como a vida dele e a sua teriam mudado?
Sinceramente, acho que nada teria mudado. O nome dele estaria no troféu de campeão e é isso. Nada mais mudaria. A maneira como ele progrediu como homem, como evoluímos juntos, a carreira que ele ainda teve na Ferrari... Isso não mudaria 2009 ou 2010. Felipe cresceu muito em 2008 e sinceramente não acho que um ponto a mais mudaria algo.