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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pílulas do Dia Seguinte: O drible da Ferrari que deu o vice a Leclerc

Charles Leclerc comemora com a Ferrari o segundo lugar em Abu Dhabi - Ferrari
Charles Leclerc comemora com a Ferrari o segundo lugar em Abu Dhabi Imagem: Ferrari

Colunista do UOL

21/11/2022 08h31

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Sei que chega a ser bizarro escrever isso, mas vamos lá: o Mundial 2022 da Fórmula 1 terminou com um show de estratégia da Ferrari. Sim, acredite!

A corrida estava na 33ª de suas 58 voltas quando Leclerc recebeu um aviso pelo rádio: "Box opposite Red Bull", algo como "box oposto Red Bull". Uma mensagem cifrada, normal, acontece o tempo todo. Àquela altura da prova, o monegasco era o terceiro colocado e tentava se aproximar de Pérez. Todo mundo entendeu o recado como uma tentativa de "undercut": a Ferrari anteciparia o segundo pit para tentar ganhar a posição;

A Red Bull estava neste "todo mundo". E reagiu: chamou Pérez imediatamente para trocar pneus, num esforço para neutralizar a tática rival. Que simplesmente não existia!

Foi um blefe da Ferrari, um drible na concorrência, uma armadilha para forçar Pérez a fazer um segundo pit, estratégia que os italianos já entendiam como mais lenta. Com a parada do adversário, Leclerc assumiu o segundo posto. E de lá não saiu mais. Seu plano sempre foi fazer apenas um pit, que cumpriu na volta 21. A mensagem pelo rádio rendeu ao monegasco o segundo lugar no GP e o vice-campeonato, sua melhor posição ao fim de uma temporada;

Merecido, diga-se. Leclerc foi mais piloto do que Pérez ao longo do Mundial: mais combativo, mais agressivo, mais rápido, mais inconformado. Foi o piloto com mais poles no ano (nove), o segundo em vitórias (três), o terceiro em melhores voltas (três). Na Austrália, conseguiu um Grand Chelem, um fim de semana perfeito, feito que só outros 25 na história alcançaram;

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Charles Leclerc sobe na Ferrari para celebrar o segundo lugar no GP e no Mundial de F1
Imagem: Ferrari

"Foi uma decisão fantástica do nosso pit wall. É ótimo para a equipe, é ótimo para os estrategistas, é ótimo terminar o ano com um desempenho tão sólido", comemorou Binotto pelo paddock. Pelo visto, ele vai continuar no cargo. E a má notícia para os torcedores ferraristas é que o bom desempenho em Abu Dhabi talvez iluda Maranello, talvez encubra o festival de lambanças que a escuderia ofereceu a seus pilotos durante todo o campeonato;

Já a Mercedes fechou a temporada mordida. Russell foi quinto e Hamilton abandonou pela segunda vez no ano. "Vamos colocar esses carros na recepção dos prédios de Braxley e Brixworth [as bases do time na Inglaterra] para que nos lembremos, todos os dias, de o quão difícil as coisas podem ser. Essa foi uma temporada para construção de caráter. Foi brutal, foi ruim, é ok se sentir assim, mas estaremos de volta no ano que vem", disse Wolff;

Na semana de Interlagos, entrevistei Smedley, que foi engenheiro de Massa e hoje comanda a importante área de análise de dados da categoria. Seu departamento contribuiu com as mudanças no Regulamento Técnico. Questionei-o se a superioridade da Red Bull e os erros de Mercedes e Ferrari, que tiraram graça do campeonato, encobriram os pontos positivos das novas regras. Sua resposta merece uma reflexão agora, fim de temporada. "Se você olhar para 2021, era um regulamento maduro. Os carros de ponta andavam muito mais próximos. O regulamento deste ano trouxe muitas mudanças, e isso sempre dá oportunidades para alguém encontrar algo diferente. Daqui a três ou quatro anos, este regulamento já estará maduro e aí sim você poderá fazer paralelos com 2021. Hoje estamos comparando maças com pêras";

Comparar qualquer Mundial com 2021 é injusto: os rivais chegaram ao último GP empatados no requinte do meio ponto e a decisão só veio na última volta do campeonato, num lance controverso que será discutido eternamente. Era de se esperar algum anticlímax em 2022, principalmente com uma mudança de regulamento zerando o jogo de novo;

Dito isso, não consigo imaginar a Mercedes emendando dois anos tão ruins. Hamilton está tão indignado como Wolff: pela primeira vez, fechou uma temporada na F1 sem vitória. Russell está em clara ascensão. Os engenheiros em Braxley e Brixworth tiveram um ano inteiro para entender o novo regulamento e, na marra, perceberem o que funciona e, principalmente, o que jamais deve ser repetido. Dificilmente 2023 vai repetir o enredo de 2021. Mas posso apostar que será um ano mais competitivo do que 2022;

A Red Bull planeja uma grande festa no centro de Milton Keynes, no dia 10 de dezembro, para celebrar o fim de temporada. "Fomos acolhidos por essa comunidade desde que abrimos nossa pequena fábrica, em 2005. Vamos comemorar os recordes deste ano no coração da cidade que temos orgulho de chamar de nossa casa", avisou Horner, em Abu Dhabi;

Quem também tem a comemorar é a Alpine. Os franceses fecharam o ano na quarta posição no Mundial de Construtores, batendo a McLaren: 173 a 159. É um feito. A Alfa Romeo também fechou o ano feliz: empatou em pontos com a Aston Martin, 55, mas ficou à frente na tabela graças ao quinto lugar de Bottas em Ímola, lá em abril;

Esta segunda-feira é dia de descanso (e ressaca) em Abu Dhabi. Mas tem teste de pneus na terça e na quarta, com novidades nas escalações das equipes: Alonso na Aston Martin, Gasly na Alpine, Piastri na McLaren, Hulkenberg na Haas, Sargeant na Williams, De Vries na AlphaTauri. As equipes são obrigadas a escalar um "jovem piloto" em um dos dias. Drugovich e Pietro vão andar, assim como Lawson (Red Bull), Vesti (Mercedes), Shwartzman (Ferrari), Doohan (Alpine), O'Ward (McLaren)...

De certa forma, 2023 começa amanhã.