Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
F-1: sem Spice Girls e castelos, restaram as redes sociais
Em 1996, Michael Schumacher faz as malas e deixou a Benetton para correr na Ferrari, levando na bagagem dois títulos mundiais e o número 1 para colocar na carenagem vermelha. Flavio Briatore, chefe da equipe italiana, tinha de fazer algo para chamar a atenção e manter seu time nas manchetes de jornais.
(Era nos jornais e nas revistas que todos queriam aparecer na última década do século passado, quando a internet engatinhava e surgia no horizonte como algo promissor, mas ainda incerto. Uma foto na primeira página de um grande diário ou na capa de uma publicação de prestígio era tudo que qualquer patrocinador queria. Pagava os gastos com exorbitâncias como as que você vai conhecer nos próximos parágrafos da estreia desta newsletter, termo que pode ser traduzido, livre e nostalgicamente, como "carta com notícias". Aproveitando o ensejo, sejam bem-vindos, destinatários destas linhas. Sinto-me lambendo um selo neste exato instante, para pespegá-lo num envelope de papel fino com moldura em verde e amarelo e um pequeno quadrado azul no canto inferior esquerdo no qual se lê, em maiúsculas e com genuína cortesia bilíngue, "via aérea" e "par avion". Depositarei cartas como esta na caixa dos correios semanalmente, sem saber com exatidão quem vai ler. Por isso não começo com "caro fulano" ou "querida beltrana". Aliás, se eu tivesse filhos de novo batizá-los-ia como Fulano e Beltrana. Seriam os mais citados da humanidade em língua portuguesa. Como adoro pesquisar as origens das palavras, explicaria a todos que o nome do moleque Fulano veio do árabe "fulân", cujo significado é "tal", e a graça da garotinha Beltrana advém do nome próprio francês Beltrand, popular personagem indefinido da literatura medieval. Mas isso fica para outra vida.)
Mas eu falava de Briatore. A primeira coisa que o ex-vendedor de camisetas fez foi contratar dois nomes de peso para mitigar a saída do alemão: Jean Alesi e Gerhard Berger, ambos com passagens pela mesma Ferrari que levou Schumacher — o austríaco com o adicional de ter sido companheiro de Ayrton Senna na McLaren. Era uma boa dupla, sem dúvida. Mas não bastava para se segurar por muito tempo nas principais publicações especializadas da Europa. Então, Briatore resolveu apresentar o novo carro da Benetton no berço da Máfia Italiana, a Sicília - maior ilha do Mediterrâneo, para muitos a bola que a Bota chuta.
O dirigente escolheu a pequena e histórica Taormina, no nordeste da ilha, tendo o vulcão Etna e o Mar Jônico como cenário para apresentar o B196, carro da Benetton para aquela temporada. Foi um arraso, claro. A combinação da paisagem dominada pelo Teatro Antico, erguido no século 2 a.C., com as imagens do carro azul modernoso fez um sucesso danado e deu o tom do que veríamos nos anos seguintes na Fórmula 1: cada equipe querendo fazer mais que a outra para apresentar seus carros novos.
Em 1997, a normalmente vetusta e muquirana McLaren deu o troco em Briatore levando as Spice Girls ao Alexandra Palace, no norte de Londres, para mostrar o carro que seria pilotado pela animadíssima dupla Mika Hakkinen e David Coulthard naquele ano. O escocês até sabia quem eram as meninas. Mika, porém, parecia aturdido com aquele espetáculo todo. Não era bem a praia do finlandês, moço de hábitos discretos e pouco espalhafatosos. A McLaren não foi campeã em 1997 - ganhou Jacques Villeneuve, da Williams, com seus cabelos pintados de amarelo. Mas seria bi em 1998 e 1999 com Hakkinen. E sem as Spice Girls.
Houve outras cerimônias divertidas e midiáticas nos anos seguintes, como a Benetton, sempre ela, levando seu carro em 2000 para o Museu Nacional d'Art na colina de Montjuic, em Barcelona, e no ano seguinte colocando o automóvel dentro de uma caixa de vidro cheia d'água na Praça São Marcos, em Veneza. A Sauber, em 2004, convocou as meninas da banda britânica Sugababes para fazer uma espécie de strip-tease tirando os macacões diante de Felipe Massa e Giancarlo Fisichella na Áustria, depois de apresentações mirabolantes na Suíça nos anos anteriores — que incluíram uma demonstração num ginásio lotado sobre uma pista de gelo em Zurique. Em 2005, a Jordan foi à Praça Vermelha coberta de neve para mostrar seu carro diante da catedral de São Basílio em Moscou - o time estava sendo comprado por um obscuro milionário russo.
Conto tudo isso para lavrar meu sincero protesto diante da pobreza estética que temos visto nos últimos anos em lançamentos de carros novos da F-1. Tudo virtual, com hora marcada e efeitos de computador, entrevistas xexelentas e sem sal com pilotos e chefes de equipe, alguns desses carros mal paridos nas telas dos computadores. Foi assim na semana retrasada com a Haas e na semana passada com Red Bull, Aston Martin e McLaren. Será assim nesta semana com AlphaTauri (segunda-feira), Williams (terça), Ferrari (quinta) e Mercedes (sexta). Depois ainda teremos Alpine (dia 21) e Alfa Romeo (27). Tudo gravado, fechado para a imprensa e para o público, nada de vulcões ou palácios, grupos de rock ou girls bands. E nenhuma foto nas capas de jornais e revistas. Em compensação, tudo postado em redes sociais, vídeos curtinhos e stories com milhões de views.
Mas quem vê tudo isso de verdade?
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Na newsletter desta semana, Flavio Gomes também destaca que Haas e Red Bull apresentaram modelos fictícios para a temporada, ainda diferentes daqueles que chegarão às pistas. O colunista também comentou sobre os carros de Aston Martin e da McLaren, que exibiram mais detalhes em suas apresentações online, mas contrariaram a expectativa de modelos idênticos para uma temporada com as maiores mudanças dos últimos 30 anos — há diferenças nas suspensões, no desenho das laterais e da carenagem do motor.
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