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Flavio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vai ter VAR na F-1! E também nova direção de provas após ano polêmico

Lewis Hamilton e Max Verstappen após polêmico GP de Abu Dhabi, que decidiu temporada 2021 - Fórmula 1
Lewis Hamilton e Max Verstappen após polêmico GP de Abu Dhabi, que decidiu temporada 2021 Imagem: Fórmula 1

Colunista do UOL

21/02/2022 04h00

Esta é parte da versão online da edição deste domingo (20/2) da newsletter de Flavio Gomes. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

Suderj informa: sai Michael Masi, entram Eduardo Freitas e Niels Wittich. E vai ter VAR.

Leia o parágrafo acima em voz alta e grave, com duas pausas longas e dramáticas depois de "informa" e do sobrenome alemão "Wittich". Quando disser "VAR", estique longamente o "A". Talvez sem saber, você estará imitando Victório Gutemberg Volpato, o lendário locutor oficial do Maracanã que de 1962 até sua morte, em 2004, anunciou substituições e gols no então maior estádio do mundo, hoje uma ordinária arena como qualquer outra.

Morei no Rio na primeira metade dos anos 70 e frequentava o Maraca (acho que ninguém mais diz "Maraca") todos os domingos pelas mãos do meu pai, ostentando orgulhosamente uma carteirinha de gratuidade para menores de idade. Uma das coisas mágicas do estádio era ouvir com atenção os anúncios de Gutemberg no sistema de som cheio de chiados com um eco interminável — porque os alto-falantes cansados da lida ficavam espalhados sob a marquise sem nenhuma preocupação com a pureza do áudio cristalino e impecavelmente equalizado e hoje em dia.

A diferença é que todo mundo parava para ouvir na hora em que Gutemberg falava. Quando na distante São Paulo um certo camisa 10 marcava um gol, seu nome antecedia o jogo e o clube que ele defendia. "Suderj informa", ele dizia, e a pausa se fazia ainda mais dramática. "Peléééé", trovejava então o histórico enunciador, e a torcida, fosse qual fosse, aplaudia e reverenciava o Rei que não se cansava de atazanar os adversários do outro lado da Dutra.

Suderj era a Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro, sucessora da Adeg, a Administração dos Estádios da Guanabara. Sim, peguei as duas fases, "Adeg informa" e "Suderj informa", e ambas as introduções para os anúncios do vozeirão de Gutemberg fazem parte da memória auditiva do Rio, se é que isso existe. Como o "Dez! Nota dez!" de Jorge Perlingeiro na apuração dos desfiles das escolas de samba, expressão elevada em 2015 à condição de patrimônio cultural imaterial da cidade.

Quinta-feira da semana passada, quando a FIA oficializou a saída do australiano Michael Masi da direção de provas da Fórmula 1, lembrei na hora do Maracanã, de Gutemberg e do "Suderj informa". A ocasião merecia uma proclamação cerimoniosa e altissonante, como se Zico ou Roberto Dinamite tivessem de ser substituídos nos clássicos do Flamengo e do Vasco, ou se Cafuringa saísse machucado no Fluminense, ou ainda se o grandalhão Fischer, do Botafogo, precisasse deixar o gramado.

Masi estragou o final do Mundial de F-1 do ano passado quando, por insegurança, incapacidade, incoerência e inexplicável submissão à gritaria da Red Bull pelo rádio, desrespeitou regras específicas de procedimento do safety-car para terminar o GP de Abu Dhabi sob bandeira verde. Para se defender, recorreu a um artigo do regulamento esportivo do campeonato que dá plenos poderes ao diretor de prova para fazer o que quiser com o safety-car. Artigo meio esquecido e inexplicável, já que há outros bem específicos que indicam o que deve ser feito nas ocasiões em que uma corrida tem de ser neutralizada com o carro de segurança.

O que Masi fez permitiu que Max Verstappen atacasse Lewis Hamilton na última volta com os pneus novos que havia colocado assim que o safety-car foi acionado — após uma batida besta do canadense Nicholas Latifi, da Williams. Havia cinco retardatários entre Hamilton, o líder, e Verstappen, o segundo colocado.

As regras determinam que todos os carros que já tomaram volta ultrapassem o líder e o safety-car quando a pista estiver livre e se coloquem no fim do pelotão, de modo a não interferir nas disputas na frente. Quando isso é feito, o safety-car tem de deixar a pista na volta seguinte e a prova é reiniciada.

Masi, no entanto, tirou da fila apenas os carros que estavam entre Hamilton e Verstappen (deixou outros retardatários entre Max e o terceiro colocado, por exemplo) e não esperou a volta seguinte para autorizar a relargada. Porque se esperasse, não haveria volta seguinte; era a última. A prova teria de ter terminado sob bandeira amarela. Seria um anticlímax para uma temporada tão disputada? Sim, seria. Mas regras são regras.

O pessoal da Red Bull berrou pelo rádio, o diretor de prova sucumbiu às pressões, reiniciou a corrida antes do que devia e o final todos sabem: com pneus novos, Verstappen atacou Hamilton, passou na última volta e conquistou o título. Para justificar o festival de irregularidades de seu diretor, a FIA rejeitou o protesto da Mercedes recorrendo ao tal artigo que dá total autonomia à autoridade máxima da prova nas questões envolvendo o safety-car.

Demorou mais de dois meses para o "Suderj informa" despachando Masi para o purgatório da entidade, período que coincidiu com o silêncio de Hamilton desde dezembro. Este foi rompido no início de fevereiro com uma foto inofensiva no Instagram e, sexta-feira, com ótima entrevista na apresentação do novo carro da Mercedes na Inglaterra.

Lewis não digeriu direito, ainda, a perda do título. Evitou citar nomes, mas foi claro ao dizer que "perdeu a fé no sistema", que vai demorar para "recuperar a confiança" nos dirigentes, que espera que "nunca mais" decisões como as de Abu Dhabi sejam tomadas e que as regras sejam aplicadas de forma "justa, precisa e coerente". Quem diz tudo isso está afirmando que a derrota foi injusta, que o diretor foi incoerente e que não dá para confiar em ninguém no andar de cima da torre. O homem está mordido.

Com o vilão Masi fora do jogo, Freitas, Wittich e VAR entram em campo, proclamaria pelas cornetas do Maracanã a voz pomposa de Gutemberg Volpato.

Alemão Niels Wittich (esquerda) e português Eduardo Freitas assumem direção de provas da F-1 em 2022 - Reprodução - Reprodução
Alemão Niels Wittich (esquerda) e português Eduardo Freitas assumem direção de provas da F-1 em 2022
Imagem: Reprodução

E quem são essas figuras? Eduardo Freitas é português, há mais de 20 anos atua como diretor de prova de categorias importantes como FIA GT e WEC, passou mais horas em Le Mans do que a maioria dos pilotos da F-1 têm de vida e é um apaixonado pela função. Quando está de folga, costuma vestir macacão de comissário e vai trabalhar de bandeirinha em corridas regionais dos autódromos mais simplórios da Europa. Wittich vem do DTM, o Campeonato Alemão de Turismo, e nos últimos anos vinha trabalhando na função na F-2 e na F-3.

Eles vão se revezar nas corridas, de acordo com o comunicado da FIA, e paralelamente será montada uma sala de controle virtual em algum bunker em Paris ou Genebra, como o VAR do futebol. Isso para que as equipes parem de perturbar o diretor de prova nos autódromos e deixem que ele tome suas decisões em paz com a ajuda do colega que vai analisar as imagens de vídeo sem algazarra, no remanso e quietude de um gabinete blindado com ar-condicionado.

Espera-se, com isso, que decisões como as de Masi não mais alterem o rumo de um campeonato. As regras do safety-car serão reescritas. As equipes não poderão mais entrar no ouvido do diretor de prova para esbravejar contra o que for - só serão autorizados questionamentos pueris como "podemos chupar um picolé nos boxes, senhor diretor?".

E vamos para a pista, que é onde as coisas devem ser resolvidas. Quarta-feira (23), em Barcelona, as dez equipes abrem os testes de pré-temporada com seus carros novos, quase todos apresentados até o fim da semana passada. Os últimos serão os da Alpine, nesta segunda (21) e o da Alfa Romeo (dia 27 o time mostra a pintura que será usada na temporada, mas o carro mesmo está pronto e vai andar "camuflado"). A primeira bateria de treinos vai durar três dias e termina na sexta. Depois, de 10 a 12 de março, todos voltam a andar no Bahrein, onde no dia 20 começa o campeonato.

Até agora, os lançamentos mostraram carros bem diferentes entre si, com soluções aerodinâmicas muito interessantes na Ferrari e na Aston Martin, uma Mercedes esteticamente discreta - mas ninguém deve se iludir com a aparente simplicidade dos carros, que voltam a ser prateados - e uma Red Bull que só será possível decifrar quando começar a rodar na Espanha, já que a equipe até agora só mostrou um modelo fake de computador.

E para quem não acompanhou a movimentação do mercado de pilotos do fim de 2021 para cá, Suderj informa: na Mercedes, sai Bottas e entra Russell; na Alfa Romeo, saem Raikkonen e Giovinazzi e entram Bottas e Zhou; e na Williams sai Russell e entra Albon.

Guanyu Zhou será o único estreante do ano e o primeiro chinês a disputar um GP. Xangai está em festa, diria nosso querido Gutemberg no Maracanã. Com alguma ironia no tom de voz, certamente.

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