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Flavio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pré-temporada: palpiteiros, Mercedes na frente e o sorriso dos ferraristas

Carro da Ferrari durante os testes da pré-temporada 2022 em Barcelona - Reprodução
Carro da Ferrari durante os testes da pré-temporada 2022 em Barcelona Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/02/2022 04h00

Esta é parte da versão online da edição deste domingo (27/2) da newsletter de Flavio Gomes. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

Três dias de carro andando, 21 pilotos, 3.109 voltas completadas em Barcelona, o equivalente a 47 GPs da Espanha - que tem 66 voltas. O Mundial de F-1 de 2022 começou na semana passada com a primeira bateria de testes da pré-temporada na Catalunha. Muitíssimo esperada, porque a categoria passou por uma de suas revoluções técnicas mais agudas de todos os tempos, com todo mundo tendo de fazer carro novo a partir de uma folha de papel em branco.

(Modo de dizer. Tirando Adrian Newey, que comanda a equipe de projetistas da Red Bull, ninguém mais usa papel para desenhar carros. É tudo, obviamente, "rabiscado" em telas de computador. Mas Newey, um engenheiro aeronáutico que chegou à F-1 recém-formado para trabalhar na equipe Fittipaldi em 1980, ainda usa papel e prancheta. E régua de cálculo, compasso, transferidor e esquadro. E lapiseira e borracha. Não se pode dizer que tem dado errado. O inglês tem no currículo a assinatura de dez carros campeões mundiais de Construtores e dois da Indy.)

Depois de suas semanas de apresentações dos novos modelos, algumas delas feitas com imagens de computador, finalmente foi possível ver o que cada uma das dez equipes construiu de verdade. E o que se viu foi, felizmente, uma grande diversidade de leitura das novas regras por parte dos projetistas, técnicos de suspensão, câmbio e motor, especialistas em aerodinâmica e palpiteiros em geral. Sim, tem palpiteiro na F-1, claro. Sempre tem um cabra na equipe que bate o olho na tela e diz: "Não seria melhor colocar umas barbatanas aqui e uma curvinha ali?". E o engenheiro-chefe olha por cima dos ombros, irritado, e manda o cara buscar um café com creme e sem açúcar. Mas pode ter certeza que, enquanto o palpiteiro vai até a cantina, ele insere as barbatanas aqui e a curvinha ali. Vai que dá certo...

A tabela de tempos após os três dias de testes tem lá sua importância, mas não necessariamente oferece uma compreensão muito acurada do que será visto na temporada. A Mercedes ficou na frente, ok, tem sido assim nos últimos anos, mas não foi nenhum massacre. E os pilotos da Ferrari saindo da Espanha com um sorrisinho no rosto no estilo "eles não sabem que a gente nem usou a sétima marcha" fez com que quase todos em Barcelona chegassem à conclusão de que o time vermelho está um pouco à frente dos demais nessa altura do campeonato, que só começa no dia 20 de março.

Tempos nos testes da pré-temporada 2022 da F-1 em Barcelona - Reprodução - Reprodução
Tempos nos testes da pré-temporada 2022 da F-1 em Barcelona
Imagem: Reprodução

"Estar um pouco à frente" nessas horas significa já ter resolvido alguns problemas que os outros ainda estão enfrentando. A Ferrari foi a que mais andou nos treinos, com 439 voltas acumuladas entre Charles Leclerc e Carlos Sainz. A Mercedes, segunda mais rodada, completou 46 voltas a menos com Lewis Hamilton e George Russell. No fim da sexta-feira, os mecânicos ferraristas já estavam passando o tempo experimentando ceras diferentes para polir o bico do carro e gel de pneu pretinho que não meleca a mão. Os do time alemão ainda estavam às voltas com sensores defeituosos, falta de equilíbrio reportada pelos pilotos, ajustes de mapa do motor e outras questões menos frívolas.

Mas teste é assim mesmo. A Red Bull, por exemplo, brilhou pouco. Não ponteou a classificação em nenhum momento, mas aparentemente nem fez questão. Max Verstappen e Sergio Pérez registraram suas melhores voltas da semana com pneus mais duros que Hamilton, o líder do cronômetro. Indica que não se preocuparam em impressionar ninguém com borracha macia e veloz, o que a Mercedes acabou fazendo nos últimos minutos de treino com pista seca - ela foi molhada artificialmente no último dia para experiências com os novos pneus de chuva.

A Ferrari também anotou suas melhores voltas com o pneu C3, o médio da gama da Pirelli que vai de C1 (mais duro, lento e resistente) a C5 (mais mole, aderente, gosmento e rápido, daqueles que duram duas ou três voltas e olhe lá). Foi elogiada pelos adversários. Assim como a McLaren, que liderou o primeiro dia de testes com Lando Norris. Russell, muito requisitado para entrevistas por ser o novo companheiro de Hamilton, falou que "tem um carro vermelho e um outro cor de laranja melhor que o nosso". "Estamos atrás deles", concluiu.

Ninguém, no entanto, deve se desesperar. Não na turma da frente, pelo menos. Se Mercedes e Red Bull, que ganharam os últimos 12 títulos mundiais, tiverem de se ocupar de mais duas equipes para manter sua hegemonia, ótimo para quem acompanha a F-1. Quatro grandes lutando por vitórias é meio que sonho de uma noite de verão de todo mundo. E se houver um equilíbrio razoável entre elas, melhor ainda é saber que as disputas na pista serão mesmo mais acirradas e divertidas. Isso porque todos os pilotos concordaram que, com a nova configuração dos carros, seguir alguém de perto ficou muito mais fácil.

A perda de pressão aerodinâmica nessas situações de perseguição alucinada, que era brutal com os carros do ano passado, não é mais dramática. Com o efeito solo que reduz a importância das asas, o ar que vem do carro à frente é menos turbulento e permite que um piloto contorne uma curva rápida embutido na caixa de câmbio do outro sem perder o controle de seu carro. "Melhorou muito quando a gente está a menos de um segundo do carro da frente", testemunhou Sainz, da Ferrari. Ou seja: as possibilidades de ultrapassagem serão multiplicadas, e é disso que o povo gosta.

Lewis Hamilton durante os dias de testes de pré-temporada em Barcelona - Reprodução - Reprodução
Lewis Hamilton durante os dias de testes de pré-temporada em Barcelona
Imagem: Reprodução

Se Ferrari e McLaren mostraram nos testes que são capazes de encostar em Mercedes e Red Bull, o mesmo não se pode dizer do pelotão intermediário. Alpine e Aston Martin tiveram alguns problemas em seus equipamentos e não impressionaram ninguém. Estão mais para brigar com a eternamente média AlphaTauri do que para se aproximar da turma da frente. "Há uma montanha enorme para escalar e ainda não vimos nem onde fica o pico", filosofou Sebastian Vettel. Lá atrás, Williams, Haas e Alfa Romeo seguem brigando por migalhas e nada indica que darão algum salto de qualidade.

Tudo como dantes no quartel de Abrantes, então — diria alguém. Pode ser. Mas calma, muita calma. O primeiro ano de um regulamento novo sempre pode apresentar surpresas. E com carros tão distintos entre si, sempre é possível que alguém tenha encontrado alguma coisa diferente que ninguém em outra equipe tenha imaginado. A barbatana e a curvinha do palpiteiro que foi buscar o café para o engenheiro, por exemplo.

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Na newsletter desta semana, Flavio Gomes também fala de como o conflito entre Rússia e Ucrânia já está respingando na Fórmula 1. Primeiro na Haas, equipe financiada por um milionário russo, pai do piloto Nikita Mazepin, em impasse que ficou evidente nos testes de Barcelona e que pode até abrir brecha para Pietro Fittipaldi na escuderia. A outra consequência imediata foi o cancelamento do GP da Rússia, com a possibilidade de Malásia ou Turquia preencherem a lacuna de calendário.

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