Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Correr em Baku é bom, pena que dá dor nas costas
Esta é parte da versão online da edição deste domingo (12/6) da newsletter de Flavio Gomes. Na newsletter completa, apenas para assinantes, o colunista comenta a vitória da Toyota em Le Mans, a liderança de Felipe Drugovich na F-2 e o negacionismo de Nico Rosberg. Para receber o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.
Que se conceda o crédito imediatamente: o título deste texto é uma paródia brilhante de autoria de Felipe Giaffone, piloto e comentarista de Fórmula 1 da TV Bandeirantes, ao final da corrida deste final de semana no Azerbaijão. Remete ao primeiro verso de "Mundo Animal", clássico dos Mamonas Assassinas, banda igualmente brilhante que encantou o Brasil na década de 90, tragicamente desaparecida num acidente aéreo em março de 1996.
Fica aqui toda nossa reverência aos Mamonas, antes de qualquer outra coisa.
Giaffone soltou a pérola — de novo, brilhante — assim que surgiram na tela as imagens de Lewis Hamilton tentando sair do carro depois de um sofrido quarto lugar em Baku. Ele passou mais de uma hora e meia chacoalhando no cockpit do Mercedão W13, sofrendo nas costas os intermináveis impactos resultantes do efeito "porpoising", que leva o assoalho a bater no asfalto nos trechos de alta velocidade. Na pista azerbaijana, que tem um retão de mais de dois quilômetros de extensão, as consequências foram terríveis. "Foi a corrida mais dolorosa da minha vida", queixou-se o inglês. "Não dá para fazer isso de novo."
A coisa foi tão feia que até a participação de Hamilton na próxima etapa do Mundial, domingo que vem no Canadá, foi colocada em xeque pelo chefe do time, Toto Wolff. "Teremos de levar um piloto reserva", disse o austríaco. No caso da Mercedes, seria provavelmente o holandês Nyck De Vries, atualmente na Fórmula E e que, ontem, disputou as 24 Horas de Le Mans.
Hamilton não foi o único a se queixar de dores lancinantes no Azerbaijão. Daniel Ricciardo, da McLaren, comparou os quiques do carro aos de uma bola de basquete quando batida rapidamente, bem pertinho do piso da quadra. George Russell, companheiro de Lewis na Mercedes, usou o termo "brutal" para descrever a dor e o desgaste físico ao longo das 51 voltas da prova. Um dia antes, alertara: se a F-1 prevê manter o atual regulamento técnico e a concepção aerodinâmica dos carros pelos próximos quatro anos, vai ser preciso fazer algo; caso contrário, no limite, a saúde dos pilotos corre perigo.
Todos têm razão. O efeito solo, que gera a maior parte da pressão aerodinâmica a partir do assoalho, e não das asas, fez com que as equipes projetassem carros que precisam andar a uma altura muito baixa do solo, quase raspando no chão. Em pontos muito velozes, a pressão é tanta, empurrando o carro para baixo, que ele bate na pista. Então, o ar para de passar sob o assoalho e o carro "sobe", e depois desce de novo em frações de segundo, e sobe mais uma vez, e é a isso que se chama de "porpoising" — o termo, em inglês, define o movimento dos golfinhos nadando.
Sim, é preciso fazer algo. Carros quicando a mais de 300 km/h são perigosos. A visibilidade é prejudicada, as freadas se tornam imprevisíveis, e fisicamente dói tudo. Mas fazer o que, exatamente?
Todo mundo, em alguma medida, notou o problema em fevereiro, quando começaram os testes de pré-temporada em Barcelona. A solução mais fácil e rápida é aumentar a altura do carro em alguns centímetros para evitar que ele bata no chão. Só que isso leva a uma perda de performance imediata. Quanto mais alto um carro, menor a velocidade do ar que passa sob ele. E, assim, a eficiência aerodinâmica também diminui. O carro "gruda" menos no chão.
Algumas equipes resolveram a questão sem quebrar demais a cabeça: sobe e pronto. Os pilotos da Red Bull, por exemplo, não saem do cockpit implorando por emplastros Salonpas. Seus carros são estáveis e dóceis. Ultimamente, seu único esforço tem sido o de levantar troféus — como fizeram Max Verstappen e Sergio Pérez em Baku, neste domingo (12), na terceira dobradinha do time no Mundial.
Quem tem de fazer algo, portanto, são os projetistas e engenheiros dos carros que não se livraram do "porpoising" depois de oito corridas disputadas neste ano. É o que diriam, de bate-pronto, aqueles que já deixaram essa questão para trás. Afinal, faz sentido mexer nas regras por causa da incompetência dos outros? O que temos a ver com isso?
É um bom argumento. Mas talvez essa discussão não seja tão simples assim. O problema é que os novos carros da F-1 são potencialmente perigosos. Se é verdade que algumas equipes conseguiram minimizar os quiques nas retas, não é menos verdade que os conceitos aplicados à sua construção podem levar qualquer um, em algum momento, a experimentar o mesmo que Hamilton — e Russell, Leclerc, Sainz, Ricciardo e Norris, apenas para mencionar os que viveram o drama no lombo neste fim de semana — passou em Baku.
Correr de carro já é arriscado o suficiente quando tudo está perfeito num cockpit. Se além dos riscos inerentes à atividade o sujeito ainda tem de enfrentar a visão turva, a cabeça sacudindo dentro do capacete e algum tipo de dor fustigando a coluna, nervos e músculos, o negócio caminha rumo à insanidade.
Gostem ou não as equipes que já não se queixam dos males aerodinâmicos que afligem a F-1 desde o início deste ano, o pessoal técnico da FIA terá, sim, de fazer alguma coisa. Para que correr em Baku — ou em qualquer outro lugar — seja bom e não dê dor nas costas.
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