Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A estranha atração de pilotos por fascistas
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Primeiro foi Nelson Piquet, com suas declarações racistas ao falar de Lewis Hamilton e, depois, com demonstrações afetuosas de apreço a um presidente da República que curte um torturador e é chegado em pistolas, fuzis e coturnos. Dirigiu o carro em que o supracitado se aboletou no infame 7 de setembro do ano passado e, neste fim de semana, o ladeou à beira de uma estrada para saudar motociclistas.
Agora, Emerson Fittipaldi. Aos 75 anos, descobriu há alguns dias que descendentes de italianos de posse da cidadania da Velha Bota — como a ela se refere o grande Sílvio Lancellotti — podem se candidatar a um cargo no Congresso do país. A Itália abre duas vagas para deputados e uma para senador aos "oriundi" que vivem na América do Sul. Emerson resolveu sair para o Senado.
A candidatura é, decerto, surpreendente. Até para o ex-piloto, que admitiu em suas primeiras entrevistas como aspirante a político que desconhecia a possibilidade de contribuir com os destinos da nação de onde vieram seus avós paternos.
O que não espantou ninguém foi o partido escolhido por Fittipaldi para tentar a cadeira de senador: o Fratelli d'Italia, liderado por Giorgia Meloni. Nos textos publicados pela imprensa brasileira, tanto o partido quanto sua líder são tratados como "controverso/a", "polêmico/a", "ruidoso/a", "de direita".
Mas é bom chamar as coisas pelo nome. O Fratelli e sua líder Meloni são mesmo é fascistas, uma vez que rezam pela cartilha de Benito Mussolini e defendem suas ideias, teorias e legado. São contra imigrantes, aborto, união de pessoas do mesmo sexo, "globalismo" etc. O lema é o de sempre, com algumas variações: Deus, pátria e família.
Meloni -- favorita ao cargo de primeira-ministra nas eleições legislativas de 25 de setembro, já que a coalizão de extrema-direita lidera todas as pesquisas -- não esconde sua admiração pelo Duce. Vamos, pois, parar com as meias-palavras. Foram elas que nos trouxeram até aqui.
Emerson se associar a um partido de inclinações fascistas não choca ninguém por conta do passado recente do bicampeão mundial. A exemplo de Piquet, ele passou a adular o atual presidente prometendo mostrar aos europeus que eles estão "errados" quando o criticam só porque é contra vacina, deixa queimar a Amazônia, desmancha os órgãos de controle ambiental, ataca a cultura, as mulheres, os homossexuais, os indígenas, a ciência, os professores, as empregadas domésticas, os quilombolas, a imprensa livre, os ministros do STF e o sistema eleitoral de seu país.
Quem admira alguém assim, claro, não iria se alinhar politicamente a partidos do campo progressista na Europa. "Sou de direita", proclama Fittipaldi, que nos anos 70 montou com o irmão uma equipe de Fórmula 1, a Copersucar, e foi apresentar o carro no Salão Negro do Congresso Nacional em 1974 diante do general-carniceiro de plantão da época, Ernesto Geisel, e toda a cúpula militar que comandava havia dez anos uma ditadura sanguinária e pestilenta.
Sim, claro que é de direita. E se ser de direita ajudar a arrumar um patrocínio do Banco do Brasil para o neto correr, melhor ainda. Que mal há, não é mesmo?
Fittipaldi teve recentemente bens penhorados para arcar com as muitas ações na Justiça que correm contra ele no Brasil. Há anos vários vem driblando credores por aqui, enquanto segue vivendo entre a Europa e os EUA, com bons contratos publicitários e um padrão de vida que deve irritar bastante aqueles a quem deve dinheiro. Evangélico, é um sujeito afável no trato pessoal e tem um passado nas pistas admirável — incluindo a aventura da Copersucar, uma equipe muito melhor do que a fama construída no Brasil graças à desinformação da imprensa e à maldade do torcedor médio que nunca entendeu patavina de corridas.
Colar em figuras que exaltam torturadores e em outras que a História se encarregou de atirar no esgoto, como Mussolini, deveria causar asco em quem ainda cultiva alguma lucidez e senso de humanidade nos dias de hoje. Mas, puxa, foram campeões mundiais de F-1, torcemos tanto por eles..., talvez suspire alguém.
"Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos, ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte da humanidade. Por isso, não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti".
O poema do reverendo inglês John Donne (1572-1631) encerra o assunto.
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