Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Max brincou de largar atrás como Senna em 1991
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No final de 1991, já tricampeão mundial de Fórmula 1, Ayrton Senna voltou ao Brasil para passar férias e resolveu fazer uma grande festa de inauguração de sua pista particular de kart. Ela tinha sido construída na Fazenda Dois Lagos, que pertencia à família, na aprazível cidade de Tatuí, no interior de São Paulo.
Como tudo em que Senna se metia, o evento foi grandioso. Avanço a fita um pouco apenas para dar o exemplo do banquete em que foi anunciada sua parceria com a Audi, no fim de 1993. Ayrton foi o primeiro importador oficial da marca alemã para o Brasil. O folguedo aconteceu num hangar no aeroporto de Congonhas, dezenas de mesas e centenas de convidados, jantar de vários talheres e muitas taças e garrafas, e quem entrou no recinto dirigindo um Audi conversível, com o piloto no banco do carona, foi ninguém menos do que Jô Soares — que depois assumiu o comando da noite como mestre de cerimônia.
Volta a fita. Eu falava da abertura do circuito de kart na fazenda da família Senna em Tatuí, e alguns jornalistas foram convidados, entre eles este que vos escreve. Acontecimento cercado de formalidades no entorno da propriedade, seguranças de ternos e gravatas pretas, conferência de credenciais, crachás para cá, documentos para lá, listas impressas em pastas plastificadas, walkie-talkies frenéticos, não era qualquer um, definitivamente, que naquela manhã daria as caras no sítio e passaria pela porteira dizendo apenas bom dia.
Lá dentro, junto à pista, uma enorme tenda foi montada para que, depois da corridinha que abriria oficialmente o parque de diversões privado de Senna, a dupla Chitãozinho e Xororó, então no auge da popularidade, fizesse um show para os comensais que teriam à disposição um cardápio dos mais interessantes com carnes e massas — Ayrton era fã de um prato em particular, fettuccine com molho Alfredo acompanhado de paillard de filé mignon bem passado, sendo o molho generoso na manteiga e no parmesão; sei replicar a iguaria com competência, um dia convido meus dois ou três leitores.
Mas a atração principal do dia era mesmo a pista de kart, e os organizadores programaram uma corrida de exibição. Convidaram vários pilotos jovens, todos brasileiros, além de alguns veteranos amigos de Senna, como Maurício Gugelmin, e rivais dos tempos em que o Becão, seu apelido de adolescência e juventude, batia roda com eles no kartódromo de Interlagos. Até Bruno, garotinho de tudo, seu sobrinho que anos depois chegaria à F-1, participou da brincadeira.
Senna dirigiu um Chevrolet Kadett branco conversível à guisa de pace-car na frente do pelotão e, assim que autorizou a largada, estacionou o carro, pulou do banco com pressa e agilidade, montou num kart preparado para ele e saiu feito um azougue atrás de todo mundo, vestindo o macacão vermelho da McLaren e o famosíssimo capacete amarelo. Era a surpresa do dia: aquela molecada toda e os amigos de outras eras teriam como adversário, na pista, ninguém menos que o tricampeão mundial e maior ídolo esportivo do país. Foi uma farra, como todos vocês podem imaginar. Senna, lá de trás, veio jantando todo mundo e a performance foi belíssima.
Lembrei disso ao ver o GP da Bélgica deste domingo. Max Verstappen fez mais ou menos o que Senna imaginava há mais de 30 anos numa inofensiva brincadeira de kart: "Como sou melhor que todo mundo, vou largar lá atrás, dar meu showzinho e, no fim, tudo acaba como deveria acabar: eu em primeiro, o resto batendo palmas e todos com um largo sorriso no rosto depois de ver de perto mais um espetáculo do talento que a vida me deu".
O holandês estava em 15º no grid. Em 12 voltas, já ocupava a liderança. Ganhou com um pé nas costas. Foi a nona vitória no ano. Deu mais um gigantesco passo rumo ao bi. Um massacre que, diferentemente do que Ayrton quis fazer em Tatuí, só estampou felicidade nos rostos de seus torcedores e da turma da Red Bull. Todos os demais que disputaram a corrida contra ele odiaram. Ficaram com muita "reiva".
Em tempo: Senna, lá na sua pistinha de kart em 1991, fez das tripas coração, mas não conseguiu ganhar a corrida. O vencedor foi um moleque baiano de nariz grande e muito jeito para a coisa chamado Antoine.
Tony Kanaan tinha só 16 anos. Nunca esqueceu aquela tarde em Tatuí.
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