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Flavio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No pódio, Max mostra que máquinas também choram

Max Verstappen no pódio em Austin: lágrimas de reconhecimento - Divulgação/Red Bull
Max Verstappen no pódio em Austin: lágrimas de reconhecimento Imagem: Divulgação/Red Bull

Colunista do UOL

24/10/2022 04h00

Esta é parte da newsletter do Flavio Gomes, enviada ontem (23). Na newsletter completa, apenas para assinantes, o colunista comenta a morte e o legado de Dietrich Mateschitz, fundador da Red Bull, e a contratação do norte-americano Logan Sargeant pela Williams. Quer receber antes o pacote completo, com a coluna principal e mais informações, no seu e-mail, semana que vem? Clique aqui.

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Reparei nas lágrimas de Max Verstappen no pódio de Austin. Não foram muitas, nada muito dramático, diria que discretas, até. Já testemunhei choros compulsivos na F-1, o mais marcante deles na sala de imprensa de Monza, em 2000, quando Michael Schumacher venceu seu 41º GP. Naquele dia, ele igualou o número de vitórias de Ayrton Senna. Algumas semanas depois, conquistaria seu primeiro título pela Ferrari. Michael viu Senna morrer de perto, muito perto. Estava atrás do brasileiro em Ímola quando a Williams se espatifou no muro da Tamburello. Venceu aquela corrida, também. No pódio, foi informado da situação do colega, que estava à beira da morte num hospital perto dali. O sorriso desapareceu na hora. As lágrimas vieram seis anos depois.

Verstappen não chorou quando venceu sua primeira corrida, em Barcelona, há seis anos. Era um pós-adolescente feliz da vida pela conquista inesperada. Depois daquele, ganhou mais 32 GPs. Foi campeão no ano passado numa decisão tensa em Abu Dhabi e bi há alguns dias no Japão. Não derramou uma lágrima. Mas em Austin, mostrou que não é feito de gelo. A morte de Dietrich Mateschitz, fundador da Red Bull, afetou todo mundo na equipe. A vitória nos EUA foi dedicada a ele. O título de Construtores, garantido matematicamente, também.

O holandês tem 25 anos e é o sexto maior vencedor da história da F-1. Uma máquina de pilotar, que não comete erros e não se deixa abalar por nada. Mesmo durante a corrida, quando a equipe cometeu uma incomum trapalhada num pit stop, encontrou tempo para reclamar pelo rádio com alguma ironia. "Belo trabalho", resmungou, como se dissesse: "Vocês me dão trabalho, às vezes".

Foi atrás do que queria, recuperou o tempo perdido, ganhou de novo, comemorou. São 13 vitórias em 19 etapas, igualando o recorde para uma mesma temporada — Schumacher, em 2004, e Sebastian Vettel, em 2013, também venceram 13 vezes. Max tem mais três etapas para superar a marca e se isolar nesse item das estatísticas.

Voltemos às lágrimas. Lembro de outro choro pungente, em Nürburgring/1999. Luca Badoer, italiano da pequena Minardi, estava em quarto quando quebrou, no fim da prova. Ajoelhou-se ao lado do carro fumegante, estacionado na grama, e desabou. Mika Hakkinen, em 1999, rodou em Monza sozinho e, igualmente, não conseguiu se segurar, escondido entre as árvores. Desolado, foi flagrado pelas câmeras de TV. Rubens Barrichello, em 2000, desmanchou-se no pódio em Hockenheim depois de ganhar pela primeira vez — um desabafo depois de tanto tempo em busca de um troféu de vencedor. Pierre Gasly, no ano retrasado, ficou um tempão sentado no pódio após a vitória no GP da Itália. Pensava na carreira, na morte recente de um amigo, Anthoine Hubert, da F-2, dias antes. Ninguém ousou incomodá-lo.

Atletas não precisam ter vergonha de chorar. Na vitória ou na derrota, não importa, o esporte mexe com as emoções. No automobilismo, com histórico de tragédias — felizmente cada vez mais raras —, elas ficam ainda mais à flor da pele por causa dos riscos que todos assumem cada vez que entram num carro de corrida.

Mas em Austin o choro de Verstappen foi diferente. Não tinha a ver com vitória, derrota, conquista, decepção. E sim com uma figura algo distante, que quando colocou o nome de sua empresa na F-1, Max não era nem nascido. Foram lágrimas de reconhecimento. Elas mostraram que as máquinas também choram.

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