Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Vettel é um exemplo que não se resume em números
Esta é parte da newsletter do Flavio Gomes, enviada ontem (20). Na newsletter completa, apenas para assinantes, o colunista também comenta sobre as duas últimas vagas preenchidas para 2023, o novo papel de Ricciardo na Red Bull, a aposentadoria de Ross Brawn e a nova categoria para mulheres, a F1 Academy. Quer receber antes o pacote completo, com a coluna principal e mais informações, no seu e-mail, semana que vem? Clique aqui.
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Como é difícil resumir uma carreira longa de um esportista. Achar a palavra certa, encontrar o elogio mais justo, o equilíbrio entre o tom laudatório e a análise mais técnica que sempre encontrará um defeito aqui, um ponto fraco ali...
E aí me pergunto: por que estamos sempre atrás de resumos, sínteses, olhares reducionistas?
Às favas com a objetividade, pois. Sebastian Vettel não é desses pilotos cuja trajetória se resume a números e dados. Se quiserem, é até fácil fornecer argumentos para justificar a admiração que, agora que parou, todos parecem ter por ele: quatro títulos mundiais (só Fangio, Schumacher e Hamilton têm mais), 53 vitórias em 199 GPs disputados (terceiro maior vencedor da história), 57 poles (quarto), 122 pódios (terceiro). Já está bom?
Não.
Vettel é mais que esses números. É o menino que estreou em 2007 pela BMW Sauber já pontuando nos EUA com uma oitava colocação. E que venceu uma corrida em Monza, no ano seguinte, pela Toro Rosso —a sucessora da Minardi, filial da Red Bull, que só iria ganhar uma corrida pela primeira vez em 2009, e com quem? Ele mesmo, Vettel. Vettel que em 2006 participou pela primeira vez de um treino livre em fim de semana de GP, na Turquia, era reserva da BMW Sauber, e sabem o que aconteceu? Fez o melhor tempo em cima de Massa e Schumacher, da Ferrari; de Alonso, da Renault; de Raikkonen, da McLaren.
Andar de F-1 no mesmo dia e lugar que Schumacher, aliás, era um sonho para o moleque de 19 anos, magro de dar dó, que até sobrava macacão no corpo desengonçado de adolescente. Foi no kartódromo de Kerpen, onde o heptacampeão nasceu para o automobilismo, que Sebastian começou a correr. Há fotos dele garotinho olhando Schumacher maravilhado e espantado, recebendo até troféu do grande ídolo. Dividir a pista com ele parecia algo... sobrenatural.
Michael parou em 2006 mesmo, e só reencontraria Vettel de novo em 2010, quando voltou à F-1 pela Mercedes. Viu de perto o menino dentuço das fotos ganhar três de seus quatro títulos —no de 2013, Schumacher já tinha se aposentado de vez.
Essas pequenas histórias e breves fatos estarão em qualquer biografia de Vettel. Não são secretas. Mas Sebastian quis seguir os passos daquele que mais o inspirava, e é essa fase de sua carreira na F-1, depois do tetra pela Red Bull, que o elevou à condição de personagem especialíssimo na história da categoria, do automobilismo, do esporte.
Porque foi quando começou a perder. E talvez nunca tenha tentado tanto vencer como nos seis anos de Ferrari, vestindo o macacão vermelho de Schumacher, mergulhando sem medo num mundo tão diferente de tudo aquilo que viveu num time mezzo britânico, mezzo austríaco. Vettel quis repetir aquilo que todos achavam improvável quando Michael assinou com a turma de Maranello: um alemão fazer funcionar uma equipe italiana. Universos opostos: frieza e precisão de um lado, paixão e confusão de outro.
Funcionou com Schumacher. Demorou, mas quando pegou no breu foi aquilo que a gente se lembra: cinco títulos seguidos, recordes empilhados, adoração do torcedor retribuída com reverência à história do time. Vettel não conseguiu repetir os feitos de Michael, mas conquistou algo que nunca é fácil: o amor dos tifosi. Sebastian era sinceramente apaixonado pela Ferrari. A Ferrari, por Sebastian.
Foram momentos inesquecíveis, ainda que a esperança de título tenha estado sempre tão distante, porque Vettel foi correr na Ferrari justamente no período de maior hegemonia já imposta por uma equipe na história da F-1, os anos Mercedes/Hamilton.
Lutou, Vettel. E como. A ponto de ser o terceiro maior vencedor de corridas pelo time italiano, atrás apenas de Schumacher e Niki Lauda. Mas não foi campeão. Fez o que pôde. Quando não podia mais nada, saiu. Frustrado, de uma certa forma, mas reafirmando seu carinho por aquele cavalinho rampante e tudo que ele significa. Sua despedida em Abu Dhabi/2020, cantando para a equipe em italiano uma canção que ele mesmo escreveu... Ah, quem não chora vendo isso não é gente!
Os últimos dias foram muito emocionantes para Vettel em Abu Dhabi, onde encerrou de vez a carreira neste domingo, depois de mais uma vitória de Max Verstappen. Amado por todos, admirado pela postura que assumiu nos últimos anos —militante pelo meio ambiente, contra o racismo, preocupado com o futuro do planeta, com as crianças, com tudo que importa—, viveu momentos de ternura infinita por parte de torcedores, jornalistas, colegas, mecânicos, chefes de equipe. Deu entrevistas sem fim. Os pilotos, esses seres tão egoístas, individualistas, aborrecidos, até, se reuniram num jantar de sorrisos para celebrar sua carreira. E como prêmio, fechou o ciclo nas pistas como começou: pontuando com a modesta Aston Martin.
Vettel é um exemplo. Nunca jogou sujo na pista, mas nunca se calou diante do que considerava uma injustiça. Entre seus grandes momentos está o GP do Canadá de 2019, quando trocou as placas de primeiro e segundo colocados, após punição que deu a vitória a Hamilton.
Ninguém ousou destrocar. Porque é impossível não concordar com Seb em tudo.
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