Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O dia em que enfrentei Schumacher. No futebol
Esta é parte da newsletter do Flavio Gomes, enviada ontem (4). Na newsletter completa, apenas para assinantes, o colunista repercute a morte do francês Patrick Tambay, um lorde da F-1, e a possibilidade de Portugal receber um GP após o cancelamento da etapa da China em 2023. Quer receber antes o pacote completo, com a coluna principal e mais informações, no seu e-mail, semana que vem? Clique aqui.
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No dia 29 deste mês uma data triste será lembrada. Serão nove anos do acidente de esqui de Michael Schumacher em Méribel, nos Alpes Franceses. Com exceção daqueles que têm contato pessoal com ele, todos signatários de um impressionante pacto de silêncio, ninguém sabe como, exatamente, está o alemão.
Estamos mergulhados no futebol, por estes dias. Lembrei de Schumacher ao ver a boa seleção suíça eliminando a Sérvia, porque o cara, depois que parou de correr, chegou a defender um time da terceira divisão do país, onde morava. Michael foi um esforçado e dedicado meio-campista do bravo Echichens. O esquadrão azul e branco, infelizmente, hoje não vive um bom momento e está na quinta divisão helvética. Acontece.
Muita gente lembra de Schumacher, depois de encerrar a carreira pela primeira vez, na Ferrari, fazendo molecagem de tudo que era jeito, principalmente em corridas de motocicleta. Aliás, quando parou em 2006, em Interlagos, ganhou um troféu de... Pelé. Depois, Michael voltou à F-1 em 2010 para três anos na Mercedes e só então se aposentou de vez. Mas ele não gostava de ficar parado. Foi quando tomou o tombo de esqui.
Schumacher era bom de bola, gostava e entendia de futebol. Torcedor do Colônia, não perdia uma única chance de entrar numa pelada, quando chamado. Uma das maiores emoções de sua vida, sempre dizia, foi ter participado de um jogo na Vila Belmiro.
Essas lembranças meio aleatórias, misturando Schumacher, Pelé, futebol, Fórmula 1, me levaram a buscar um texto que escrevi em setembro de 2000, quando fazia colunas para jornais dos fundões do Brasil. Espero que gostem.
Uns dois meses atrás, fui chamado ao motorhome da Ferrari por um de seus seguranças, que também serve café e almoço quando não está afastando algum bico indesejável do ônibus da equipe. Meio surpreso, descobri que era na verdade uma convocação: para defender o time de futebol da Ferrari na quinta-feira do GP dos EUA, em Indianápolis, contra o time do Fisichella e do Trulli. Você vai ser nosso goleiro, disse Salvatore, o Toro. Como o cara é grande, achei mais prudente aceitar a convocação, embora estivesse, havia algum tempo, sem jogar, meio fora de forma.
Antes que comecem a dizer bobagens, sou um excelente goleiro. Se tivesse uns 20 cm a mais de altura, talvez estivesse na seleção até hoje, ou jogando na Grécia em fim de carreira. Mas, mesmo de estatura, digamos, mediana, tenho lá minhas qualidades, que o pessoal da Ferrari conheceu no ano passado no intervalo entre os GPs da Malásia e do Japão.
Estávamos todos num daqueles resorts paradisíacos em Cherating, antes de ir para Suzuka, e os brasileiros, que eram poucos, fizeram um time para jogar com a italianada. Colocamos uns dois malaios no ataque, um inglês na defesa, um japonês na ponta-esquerda e um vietnamita no meio para compor o time e lá fui eu para o gol, depois de rodar as redondezas atrás de uma luva de goleiro, que acabei encontrando. Ganhamos uma e perdemos a outra, com um gol de cabeça do Toro. Mas fui o melhor em campo, disparado, daí a convocação para o jogo de Indianápolis.
Era anteontem, e eu tinha esquecido. Saí correndo atrás de uma luva de novo, e não encontrei. Na Malásia tinha. Nos EUA, não. Mas comprei uma chuteira. E cheguei ao estádio, um estadiozinho bem decente, até, atrasado. Os times já estavam em campo. Corri para o vestiário e tive de pegar um uniforme do time branco, o do Fisichella e do Trulli. E para jogar na linha.
Enquanto me trocava, entrou no vestiário acanhado um cara que eu já tinha visto antes. Era Michael Schumacher. O sujeito é boleiro. Ganhou meu respeito definitivamente nessa pelada de Indianápolis. Respeito quem sabe jogar bola. Michael me cumprimentou, como a todos os outros jogadores, e ali ele era um dos nossos. Um comum, um mortal, embora um pouco mais rico e famoso. E de camisa vermelha. Um adversário, portanto.
Fomos para o jogo, entrei na metade do primeiro tempo, e me colocaram de lateral-esquerdo. Como Schumacher era atacante na primeira fase, tivemos um encontro rápido em certa altura da partida. Dividimos uma bola e foi lateral para nós. Resumiu-se a isso nosso contato futebolístico porque, depois, ele foi jogar de líbero, e depois de lateral-direito, e nós perdemos de 1 a 0, e eu não falo com meus adversários depois de derrotas.
Schumacher é bom de bola. Rápido, tem visão de jogo, é inteligente, passa bem, mas chuta mal. Mas é, gosto do termo, boleiro. É aquele cara que corre como jogador de futebol, põe as mãos na cintura, reclama com o juiz e fala o tempo inteiro. Em alemão. Fisichella, meu atacante, já peca pelo individualismo. Xinguei-o duas vezes depois de descidas ao ataque e tentativas frustradas de tabela. Mas é habilidoso. Trulli é grosso, mas corre muito e é esforçado.
Foi divertido, o dia em que joguei bola com Schumacher. É bom ver que essas figuras têm seus momentos de simplicidade, dividem um vestiário, usam o mesmo uniforme que você. No final do jogo, Michael nem tomou banho. Não sei como, não estava suado, depois de correr tanto. Trocou de roupa e foi jantar em algum lugar.
Quanto a mim, derrotado em campo, ainda esqueci no vestiário a chuteira novinha. Não faz mal. Joguei bem, não comprometi. Isso é que importa. Mas se eu estivesse no gol, a gente não perdia. E se o Fisichella e o Trulli não perdessem tantas chances, a gente ganhava e o Schumacher não ia sair do campo com aquele sorrisinho besta dos vencedores.
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