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Flavio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Love, love, love

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

02/01/2023 11h00

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Nas 24 horas que se sucederam entre as 15h27 de quinta-feira (29) e as 15h27 de sexta (30), pelo horário de Brasília, nasceram no mundo 236.322 bebês. Existe um site que atualiza esses números em tempo real. Também informa quantas pessoas morreram, quantos automóveis foram produzidos, quantos celulares foram vendidos e quantos e-mails foram enviados nas últimas 24 horas. O mesmo site fornece, igualmente, uma curiosa contagem regressiva de quantos barris de petróleo a humanidade ainda tem à disposição para queimar. A quem interessar possa, no momento em que estas linhas são traçadas restam 1,4 trilhão. Temos tempo, mas não muito.

Esses 236.322 bebês nasceram num novo mundo, que acabou exatamente às 15h27 de quinta-feira. "La fin d'un monde", anunciou o jornal esportivo francês "L'Équipe".

Jornal francês L'Équipe: com a morte de Pelé, um mundo chega ao fim - Reprodução/L'Équipe - Reprodução/L'Équipe
Jornal francês L'Équipe: com a morte de Pelé, um mundo chega ao fim
Imagem: Reprodução/L'Équipe

Um mundo que começou precisamente no dia 23 de outubro de 1940, numa cidade mineira chamada Três Corações, vilarejo que até pouco tempo antes não dispunha de luz elétrica. E por isso o rebento de uma modesta família preta liberta da escravidão menos de meio século antes, pai Dondinho, mãe Celeste, recebeu em homenagem o nome do inventor da lâmpada incandescente, Thomas Edison. Sem o Thomas e sem o i no Edison, embora na certidão de nascimento ele estivesse lá, o i. Devidamente corrigido, o nome, no batismo católico do menino Edson pouco tempo depois. Edison, o inventor, morrera nove anos antes tendo registrado, incluindo a lâmpada, a patente de 1.093 produtos. Quase o mesmo número de gols que Edson marcaria até as 15h27 de 29 de dezembro de 2022. Foram 1.283.

Cada um desses gols foi patenteado por seu autor, Edson, porque, como escreveu o poeta, fazer mil como ele fez era fácil; difícil, mesmo, era fazer um como ele. Que sejam concedidas, pois, as patentes.

Aos 236.322 bebês das primeiras 24 horas após o fim do mundo já se juntaram outros tantos nas 24 horas seguintes, e enquanto você lê este texto, à razão de 164 por minuto, novos seres humanos se somam aos demais oito bilhões de habitantes deste agora estranho planeta.

A eles, os que vêm nascendo desde as 15h27 do dia 29 de dezembro, não serão franqueados os privilégios que os viventes anteriores a esse dia e horário compartilharam na forma de imaginação, fantasia, criatividade, magia, improviso, objetividade, força física, inteligência, habilidade, talento, alegria, espanto, apenas pelo fato de existirem no mesmo tempo e espaço daquele que decretou o fim de um mundo ao fechar de vez seus grandes olhos.

Eram olhos que viam o que ninguém via, e que enviavam para seus pés, em velocidade inimaginável, ordens incompreensíveis — exceto para aqueles pés. Pés que, por sua vez, obedeciam às ordens sem questioná-las, porque nem tempo para isso haveria, visto que era urgente encantar aquele mundo que ainda não tinha dia e hora para acabar.

Pois esse mundo acabou às 15h27 do dia 29 de dezembro e os 236.322 bebês das primeiras 24 horas e todos os demais que já vieram a este novo mundo e os que ainda virão à razão de 164 por minuto terão de aprender a viver num planeta sem Pelé. Nós, que pertencemos ao mundo que acabou, não saberemos nunca explicar direito a todos eles como fazer. Porque não sabemos.

Um bom começo talvez seja dizer apenas love, love, love.

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