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REPORTAGEM

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Professor, sobre caso Vini Jr: 'A Espanha tem problema com a diversidade'

Vinicius Jr aponta racistas em jogo do Real Madrid contra o Valencia  - Getty Images
Vinicius Jr aponta racistas em jogo do Real Madrid contra o Valencia Imagem: Getty Images
Thiago Arantes

Colunista do UOL, em Barcelona

25/05/2023 04h00

Os insultos racistas a Vinícius Júnior na atual temporada da Liga Espanhola — e a repercussão dos mais recentes deles, em Valência, no domingo — colocaram no centro do debate uma pergunta: a Espanha é um país racista?

Para Jordi Mir, um dos principais especialistas no assunto no país, a resposta vai além de dizer apenas que sim. "A sociedade espanhola tem um problema com a diversidade", afirma, ampliando o tema para além do racismo. "Há problemas com a diversidade linguística dentro do Estado, há problemas com a diversidade sexual. Há problemas com diversos tipos de diversidade".

Mir, que é professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidade Autônoma de Barcelona, integra o Centro de Estudos de Movimentos Sociais da UPF e pesquisa temas relacionados ao racismo na sociedade espanhola. Para ele, o preconceito racial está tão instaurado que, em muitos casos, é inconsciente.

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Pesquisador Jordi Mir afirma que há racismo estrutural na Espanha
Imagem: Thiago Arantes/UOL

"Uma evidência que encontramos ao analisar a situação da discriminação racial na Espanha é que uma parte grande população pensa que algumas práticas não são racistas, mas quem estuda o racismo identifica claramente como tal. Isso é preocupante porque mostra que existem práticas que são nocivas e discriminatórias, mas que uma grande parte da população não acha que sejam ofensivas", explica o pesquisador.

"Quando você pergunta a uma pessoa se ela é racista, ela dirá "não, eu não sou racista". Mas em outro momento ela dirá "é que esses negros...", ou "ah, mas esses imigrantes...", "porque esses latinos..." Ou seja, a pessoa fala que não é racista, mas tem práticas claramente racistas", exemplifica.

Vini Jr e o efeito da arquibancada

Os atos racistas contra Vini Jr. no campo do Valencia, no domingo, não foram os primeiros sofridos pelo jogador brasileiro na Espanha; e, claro, também não são novidade no futebol espanhol. Desde os anos 1980 há registros de incidentes. Os mais famosos deles aconteceram em 1997, com o brasileiro Roberto Carlos, então no Real Madrid, e em 2006, com o atacante camaronês Samuel Eto'o, que defendia o Barcelona.

Para Jordi Mir, os estádios têm um componente que incentiva manifestações de ódio: o efeito da multidão. "Em um campo de futebol, um ginásio de basquete ou outro ambiente em que haja mais gente, a individualidade acaba ficando mais difusa. A multidão dá um certo anonimato às pessoas, e por isso acontecem essas manifestações".

O pesquisador acredita que o caso mais recente envolvendo Vini Jr. serviu para abrir um debate no país, mas também pondera que muitas das opiniões carregam fatores externos à discussão central.

"Tornou-se inevitável não falar dos gritos racistas, mas também vemos muitas pessoas que preferem concentrar os argumentos no comportamento de Vinícius no campo, ou reduzir a gravidade do racismo. Há quem não veja racismo no caso de Vinícius, que prefere atribuir tudo ao clube que ele defende. E também há quem defende Vinícius, mas se esquece de outros episódios que afetaram outros jogadores, ou outras manifestações de ódio", exemplifica Mir.

"No futebol espanhol, assim como na sociedade espanhola, existe racismo, homofobia e machismo, de forma estrutural. Não são fatos pontuais. Esse momento deveria servir para analisar e resolver as diferentes expressões do racismo na sociedade espanhola: no futebol, mas também no acesso à moradia, nas leis de imigração, e em tantos outros âmbitos", conclui.