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Torcida antirracista acusa Valencia de pacto com grupo que insultou Vini Jr
O Valencia volta a jogar no estádio Mestalla uma semana depois da vitória contra o Real Madrid, marcada pelos insultos racistas a Vini Jr. O duelo das 14h deste domingo, contra o Espanyol, é fundamental na luta para evitar o rebaixamento. Mas há um outro objetivo, também importante.
Um grupo de torcidas antirracistas do clube pretende mudar a imagem de que o Valencia é um clube que propaga discursos discriminatórios. Depois das ofensas racistas a Vini Jr., houve um recorde de manifestações contrárias aos torcedores valencianistas --principalmente no Brasil. Diante do Espanyol, os grupos antirracistas planejam manifestações contra o preconceito e o discurso de ódio.
Conhecida por ser uma torcida antirracista e antifascista, a Penya Colla Blanc-i-negra é uma das organizadas que participará de manifestações. Um dos líderes do grupo é Michelangelo La Spina. Em conversa com o UOL, ele explica que os torcedores responsáveis pelas ofensas são parte de um conhecido grupo de ideologia nazista.
"Nós sabemos quem eles são. São 30 ou 40 pessoas, e no caso de domingo estavam divididos em duas partes: os que insultaram Vinícius dentro do estádio, e que ele denunciou; e os que estavam fora do campo. Esses que estavam fora do campo são membros do Yomus. É um grupo criado em 1983, que tem uma ideologia de ódio e ideias nazistas".
Os Yomus foram expulsos pelo clube oficialmente em 2019, depois que um torcedor fez uma saudação nazista em uma partida contra o Arsenal, em Londres. Só que, desde o início deste ano, os membros têm se associado à torcida que ocupa o Setor Mario Kempes, atrás de um dos gols do Mestalla. As torcidas antirracistas acusam a diretoria do Valencia de fazer vista grossa para a volta dos grupos às arquibancadas.
"Nós sabemos por que eles voltaram. Nós, as torcidas antirracistas, estamos protestando contra os donos do clube. Então, eles se aproximaram deste grupo e fizeram um pacto: a diretoria dava a liberdade para eles reorganizarem a torcida, e eles silenciariam nossos protestos. É uma hipocrisia: o clube expulsa 3 ou 4 torcedores, e isso nós todos aplaudimos. Mas por outro lado, eles têm um acordo com essa gente", acusa Michelangelo.
O jornalista Miquel Ramos, autor de dois livros --um sobre grupos antifascistas e outro sobre o crescimento da extrema-direita na Espanha-- conhece bem a relação do Valencia com os torcedores de ideologia neonazista. "O Valencia sempre foi conivente: nunca foi contundente com os ultras. Nem o clube, nem a imprensa, nem uma parte da própria torcida", afirma. Em nota, o Valencia condenou os atos de racismo e disse que está colaborando com as investigações desde o primeiro dia.
Outra torcida antirracista do Valencia, a Libertad VCF, emitiu uma nota oficial condenando os atos racistas contra Vini Jr. "Temos vergonha de compartilhar nossa paixão com pessoas que discriminam o próximo por causa de sua raça, religião ou cor. Aplaudimos a rapidez em identificar alguns dos causadores dos insultos e pedimos que continuem com esse trabalho", diz a nota.
O Valencia identificou três torcedores pelos atos racistas. A Federação Espanhola (RFEF) fechou o Setor Mario Kempes por cinco jogos e também impôs ao clube uma multa de 45 mil euros (R$ 241 mil), depois reduzida para 27 mil euros (R$ 144 mil).
"A torcida do Valencia é plural"
Para o jornalista e escritor Miquel Ramos, não há diferenças fundamentais entre a torcida do Valencia e a de outras equipes de La Liga. Ele afirma que o rótulo de "racista" que foi colocado nos valencianistas ao longo da semana não corresponde à realidade de todos os torcedores.
"O Valencia é um time de futebol de uma cidade grande, e tem uma torcida plural. Há muitas ideologias. Não há nenhuma característica que a torne uniforme, muito pelo contrário. Ela é muito plural e não pode ser definida de uma única forma", explicou, em conversa com o UOL.
Entre as torcidas antirracistas do clube, o sentimento é de que o presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, aproveitou-se da comoção mundial pelo caso de racismo contra Vini Jr. para enfraquecer o Valencia. Os torcedores afirmam que houve uma ação massiva da mídia espanhola para generalizar os atos de um grupo de racistas.
"O problema é que agora estamos tendo que nos defender, falar que não somos todos racistas. O clube está se preocupando com falar que não é racista, enquanto deveria estar identificando os torcedores", pondera Michelangelo la Spina, da Penya Colla Blanc-i-negra.
Quem são os Yomus?
Criado em 1983, sem ideologia política, o grupo Yomus radicalizou-se a partir do início da década de 1990, com a entrada de torcedores ligados a movimentos neonazistas. A mudança no perfil do grupo afastou os fundadores, e rapidamente os integrantes de extrema-direita eram maioria.
Em 1992, o grupo Yomus levou uma bandeira com uma suástica para o Mestalla. O holandês Guus Hiddink, então treinador do Valencia, viu o símbolo nazista durante o aquecimento e ameaçou abandonar a partida antes do início, caso o item não fosse retirado; a bandeira foi recolhida instantes depois.
Ao longo dos anos, o grupo viveu momentos de idas e vindas com as diferentes diretorias do clube. Hoje em dia, mesmo afastado oficialmente, tem influência em decisões do clube e domina áreas do exterior do estádio.
Um torcedor do Valencia contou ao UOL que, nas imediações do Mestalla, antes do jogo contra o Real Madrid, a polícia apenas observava a ação dos integrantes do grupo. Mesmo com policiais a poucos metros, eles proferiram insultos racistas a Vini Jr., sem que houvesse qualquer repressão.
"Há meios de comunicação que jamais citam o nome deles. Alguns jornalistas entram no estádio por outra entrada, que não a da imprensa, porque são intimidados. O líder desse grupo uma vez veio nos dizer que era melhor não falar deles, porque ele não podia controlar todos os integrantes, e algo poderia acontecer com a gente", conta Michelangelo La Spina.
Atualmente, calcula-se que o Yomus tenha 60 integrantes. A ideia do grupo, segundo relatos ouvidos pelo UOL, é cooptar jovens de 16 a 18 anos, para ir ganhando espaço novamente no estádio, com integrantes que ainda não estão "fichados" pelo clube ou pelas autoridades.
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