O que Allen Iverson e Memphis Depay têm em comum
A Liga Nacional de Basquete realizou às vésperas do Dia da Consciência Negra, no dia 19 de novembro, um evento sobre a "Importância da Cultura Negra na formação do basquetebol brasileiro".
Realizado no Teatro do Corinthians no clube do Parque São Jorge e orquestrado por Rafael Garcia, coordenador do departamento de ESG na LNB o evento trouxe paineis e um fórum de discussão sobre o papel do negro desde a sua luta por inclusão no esporte até se tornar protagonista no cénario mundial.
O projeto serve como uma ação para reforçar o Tratado Antirracismo pela diversidade, outro marco histórico da LNB, também criado e redigido em abril de 2024 por Rafael Garcia. Criando um mecanismo de combate ao racismo : com ações práticas e na valorização da cultura negra no esporte.
A palestra trouxe uma reflexão contando a história da criação do basquete em paralelo com as lutas cívicas da comunidade negra na sociedade brasileira e americana, e como esses movimentos auxiliaram na formação do esporte, ressignificando elementos da cultura negra nessa contribuição histórica.
Um marco que podemos exemplificar esse mecanismo é a relação entre o americano Allen Iverson e o holandês Memphis Depay, onde alguns elementos se unem sem uma ligação direta entre eles: tatuagens, roupas de grife e uma marca importante - tranças e a faixa marcante na cabeça.
Destacando aqui a trança como um elemento de ancestralidade e identidade da cultura negra, passando pelo Egito Antigo, os territórios africanos e no movimento hip hop, ambos nunca se conheceram, mas utilizaram o esporte como uma ferramenta de identificação da negritude.
Na continuidade do letramento racial, houve debates muito ricos com atletas, comunicadores, e personagens do meio cultural, sobre a criação do basquete e as influências negras ao longo dos anos, passando por ícones do esporte da bola laranja como Michael Jordan, Kobe Bryant, Bill Russell e Kareem Abdul Jabbar e também referências do grafite e do Hip Hop.
Atletas do NBB na luta contra o racismo
Jogadores contribuíram nas discussões de forma enfática, Gustavo Basílio ala do R10 Score Vasco da Gama, enxergou a grandeza do evento:
"Como atleta, eu sei que sou uma ferramenta de mudança. Faço parte da comissão de diversidade da Liga e sei da minha importância nesse movimento que estamos iniciando, para ter melhorias, mudanças. Para quem vier agora possa vivenciar essas melhorias. O que tento passar para os mais jovens são essas minhas vivências, tudo que passei na carreira, são 12 anos como profissionais, tudo que passei dentro e fora da quadra. A importância de termos personalidade, fortalecer nossa identidade como um atleta negro, para eles terem uma vivência mais acolhedora do que tivemos." comentou Gustavo Basílio.
Para o Lucas Cauê pivô do Corinthians o encontro foi duplamente realizador, já que sua mãe Dandara Almeida diretora do Centro Cultural São Paulo também subiu ao palco para contribuir com a discussão e ambos trouxeram a visão do basquete como cultura e agente de transformação social.
"Saio daqui aliviado por vários motivos. O primeiro é que estamos fazendo uma coisa muito grande, participando de uma luta que ela não é de agora e ela não vai acabar agora. Ela vem de muito tempo. Estamos evoluindo bastante nessa questão. Falta muito, mas estamos evoluindo muito. Somos um objeto de transformação. O segundo é porque tive oportunidade de dividir o palco pela primeira vez com minha mãe e me segurei bastante, porque, se não fosse ela, eu não estaria aqui hoje. E ver minha mãe no cargo que ela está hoje, com autoridade, propriedade para falar sobre os assuntos que ela tem falado, me deixa muito feliz. Como filho estou orgulhoso e eu sei que ela está muito orgulhosa de ter me trazido até aqui e de continuar me guiando até hoje."
Já Dandara Almeida destacou a importância de compartilhar o letramento racial no esporte:
"A luta antirracismo não é uma luta fácil, é uma luta árdua, mas esse Tratado Antirracista pela Diversidade da LNB traz hoje um pouco mais de conhecimento aos presentes aqui. Espero que no ano que vem esse teatro esteja lotado. Espero que essas pessoas que hoje adquiriram esse conhecimento possam levá-lo consigo e compartilhá-lo com mais pessoas para mostrar o que aprenderam. Foi uma aula maravilhosa sobre o esporte, letramento racial, resistência, luta e amor por uma causa."
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Além da generosa contribuição de Dandara Almeida, o evento contou com a presença marcante do MC Max e do grafiteiro Nego Todd para ilustrar as conexões entre o basquete, a música e as artes visuais.
Max atualmente é locutor de eventos de suma importância no basquete nacional como o Jogo das Estrelas e o NBB Trio, o MC também carrega um histórico de luta contra o racismo há muitos anos, tendo inclusive cantando o famoso hino " H. aço" pelo grupo DMN no começo dos anos 2000 e demonstrou seu posicionamento:
"Saio com um pouquinho da alma lavada, entendendo que as pessoas brancas e os empresários estão se preocupando com pontos essenciais para que possamos ter uma comunidade muito melhor, para que possamos ter mais equidade. É dever cumprido mesmo. Porque, na verdade, em nenhum momento eu disse parabéns para a Liga, parabéns pelo evento que está fazendo, porque é necessário, tem de ser feito, entendeu? E não é só a Liga, tem de ser feito pelo CBF, tem de ser feito pela CBV, tem de ser feito pela confederação de handebol, de futebol americano, de judô, enfim. As entidades precisam se preocupar, não só nesse momento, mas sempre, porque, se olharmos na totalidade das modalidades, são as pessoas pretas que estão fazendo a modalidade acontecer."
Já para o artista visual e grafiteiro Nego Todd comemorou a magnitude do evento:
"Situações como esta se tornam um marco. Nós fazemos esse tipo de trabalho, estamos fomentando essa cultura de rua, essa cultura do basquete pelos lugares, mas ainda não tínhamos nos encontrado. Quando a Liga traz esses protagonistas para dialogar e pensar em caminhos é de extrema importância para continuar esse desenvolvimento. Fiz questão de vir justamente por causa dessa troca. Saímos fortalecidos. Percebemos que não estamos sozinhos. Às vezes você está atuando nas comunidades e não vê o irmão, a irmã ao lado. Foi interessante construir essas pontes entre marcas e instituições. É uma pauta muito importante para o basquete e para o País."
Tratado Anti Racista pela Diversidade da LNB
Um marco histórico não só no combate ao racismo mas principalmente na possibilidade de educar não só atletas mas todo o ecossistema do basquete na valorização da Cultura Negra no esporte.
O Tratado Anti Racista pela Diversidade vem sendo executado no NBB, onde há um protocolo de treinamento sobre o acolhimento das vítimas de racismo e formas de atuação e combate ao racismo em todos os setores da Liga. Cabeça pensante, sempre questionador mas muito propositivo, a Liga Nacional de Basquete ganha muito em ter alguém com o perfil de Rafael Garcia à frente do departamento de ESG.
O Tratado extrapolou as quatro linhas do basquete e já foi apresentado na Fiesp e também na Federação Paulista de Futebol.
"É um sentimento difícil de falar, mas posso dizer que estamos no caminho certo. Quando temos uma troca com pessoas fora do nosso dia a dia, e é uma troca genuína, mostra que estamos no caminho certo. É um movimento, um direcionamento de uma máquina grande, que é o basquete, que é a Liga. Saio daqui com uma sensação de estar no caminho certo. A grande dificuldade é botar tudo em prática. Planejar, rever o que não deu certo, mas tenho a sensação de estar no caminho certo, sabendo que o caminho é longo, mas no caminho certo", concluiu Rafael Garcia.
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