Helio de La Peña

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Opinião

Vivemos com o Botafogo um relacionamento tóxico! Sentimento incompreensível

Ah... esse Botafogo. Ainda me mata!

Uma pergunta que sempre tenho que responder é: por que você torce para o Botafogo? Eu tinha oito anos quando o Botafogo foi bicampeão carioca goleando o Vasco por 4 a 0. Na época, os campeonatos regionais tinham relevância. O Vasco era o time do meu pai, da minha mãe e da minha avó. Nada melhor para um humorista do que ter toda a família para zoar. Não escolhi, fui escolhido pelo Botafogo.

Hoje passamos por um bom momento. Temos um time competitivo, um craque na seleção, um técnico sagaz e estamos disputando na cabeça dois grandes campeonatos - o Brasileirão e a Libertadores. Temos uma torcida que cria as mais belas imagens nos estádios com seus mosaicos feitos de folhas de papel. E ainda temos o escudo mais lindo do mundo. Mas poucos resistem ao turbilhão de emoções pelo qual temos que passar.

O dia 21 de agosto de 2024 vai ficar para sempre marcado em nossas vidas. Não pela nossa classificação para as quartas de final da Libertadores, e sim pela forma como isso aconteceu. Vale a pena viver de novo.

O jogo contra o Palmeiras no Allianz Parque era o segundo das oitavas de final. O primeiro, uma semana antes, foi no Rio e vencemos por 1 a 0. Fomos para São Paulo com a vantagem de poder empatar e seguir na luta pelo título. Os dois jogos juntos formavam o que costumamos chamar de uma partida de 180 minutos, certo?

Errado. No caso do embate Botafogo x Palmeiras, era um jogo de 270 minutos. Temos que somar a esses dois um terceiro, que abriu uma ferida que não estava cicatrizada. E eu estava presente nos três. Uma partida que selou o fim do sonho pelo título do Brasileirão do ano passado. Mesmo com esse resultado, tínhamos chances de ser campeões, se o estado emocional dos jogadores e da torcida permitisse. A história daquele jogo foi inédita. Confirmando sua surpreendente fase positiva, o Botafogo começou de forma avassaladora, anulando o adversário numa apresentação de gala. Sem dúvida, o melhor primeiro tempo que vi meu time jogar. Fomos para o intervalo com a vantagem de 3 a 0.

Ninguém no estádio tinha dúvidas de que a peleja estava encerrada; bastava cumprir o protocolo de entrar em campo para a segunda etapa e esperar o tempo passar. O que se viu foi o pior segundo tempo de nossas vidas. Incrédulos, assistimos à vitória do clube de verde por 4 a 3, uma virada histórica. O Palmeiras se alimentou da vitória e seguiu em frente até o título. O Botafogo, trôpego, acumulou uma sequência de resultados desastrosos e terminou o campeonato em quinto lugar. Do limão, fiz uma caipirinha e levei para o palco minha tragédia em forma de humor.

Em 2024, conseguimos nos reerguer. Conquistamos a vaga na Libertadores e nos mantivemos entre os três primeiros do Campeonato Brasileiro, pelo menos até o lançamento desta coluna. Até que, na disputa das oitavas de final da Libertadores, nos deparamos com aquele que nos causou um trauma profundo. Na primeira partida, saímos vitoriosos. Já na segunda...

Tínhamos esquecido tudo que vivemos no ano passado. A torcida foi em peso assistir ao jogo na casa do adversário. Os dois mil ingressos do setor visitante esgotaram em minutos. Vínhamos de uma goleada sobre o nosso rival histórico, o Flamengo: 4 a 1.

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Com a vantagem de um gol, partimos confiantes. A Vila Madalena se tornou um bairro carioca. Me diverti na companhia de um dos meus filhos, com amigos que nunca encontrei fora das arquibancadas, outros mais próximos, e alguns que há anos não via. Entre eles, estavam o comediante Maurício Meirelles e o ator Thierry Figueira.

Vamos ao jogo. O primeiro tempo foi morno. Começamos bem, depois o Palmeiras passou a dar as cartas. O zero a zero se manteve. Com esse placar, estaríamos classificados. Mas já tínhamos aprendido que a vida não é bem assim. E não foi mesmo.

Em 10 minutos, fizemos o primeiro gol. Igor Jesus, nome de salvador. Aos 17', ampliamos para 2 a 0, com o venezuelano Savarino. Com a vantagem de três gols, missão cumprida. Não para os botafoguenses. Essa diferença positiva contra o Palmeiras dispara um gatilho em nós. Cantávamos eufóricos diante de 40 mil palmeirenses mudos. Mas por trás de toda a euforia, havia um botafoguense desconfiado. Quem foi mordido por cobra tem medo até de corda.

No setor visitante, cresce a tensão. 40 minutos. É um momento perigoso para nós. Quantos jogos perdemos nesses últimos minutos no ano passado? Cheguei a recorrer à CBF, pedindo para que o segundo tempo dos jogos tivesse apenas 40 minutos. Não aceitaram.

A pressão fez efeito. Flaco López diminuiu para eles. O estádio acorda. A vantagem era de dois gols, faltavam apenas cinco minutos, mas o jogo já não era o mesmo. O gol motivou o Palmeiras. Três minutos depois, o empate. A torcida palmeirense eufórica acredita na virada que levaria à disputa por pênaltis. Vamos aos 50 minutos, depois mais cinco. Dez minutos se tornam uma eternidade. Aos 53', a virada. A ducha de água fria, a depressão profunda. Meu relógio adverte: "Calma, Hélio. Sua pressão está muito alta. Não me morra!". Não tinha como. Ali morríamos eu, 1.999 torcedores e a esperança de chegar às finais. Na verdade, a esperança de chegar a qualquer final. O Botafogo acabaria ali naquele gol. Quem poderia crer num time que repete sua tragédia?

Mas, não peraí!

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O VAR chamou o juiz. Não é possível. Vão anular o gol decisivo do Palmeiras no último minuto do jogo? Em casa? Contra nós? E toda argumentação do patrão John Textor de que a arbitragem sempre favorece os caras e sempre nos prejudica? Abriu-se uma exceção. O gol foi anulado. Ressuscitamos. Saímos do fundo do abismo para acompanhar atônitos o final da partida.

Eis que, no último lance, uma falta para eles. Perigosíssima. Gabriel Menino mirou o ângulo. Nosso goleiro John, vendo ser inútil o esforço, nem se move. É o fim, de novo.

Não! A bola bate na ponta externa do encontro do travessão com a trave esquerda e se perde pela lateral. Fim de papo. O juiz encerra a batalha. Estamos classificados! Foi para isso que saí do Rio. Era a hora de explodir de alegria, de gritar até ficar rouco, de rasgar a roupa e sair nu do Allianz Parque e voltar a pé para casa.

Nada disso. O pesadelo do gol anulado nos exauriu. Sequer tivemos energia para celebrar o sádico prazer de ver 40 mil torcedores se arrastando em silêncio pelas galerias. Eliminados por um time, segundo eles, insignificante.

Como ousam se considerar rivais dos tricampeões da Libertadores? Para eles, o Botafogo não é um clube de tradição. Deve ser muito triste ser desclassificado por um bairro?

Não pudemos sair imediatamente do estádio. A torcida visitante deve aguardar uma hora para deixar a arena. Usamos o tempo para recolher os cacos da nossa alma que estavam espalhados sob nossos pés.

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Meu amigo Maurício Meirelles definiu com precisão cirúrgica: "Vivemos com o Botafogo um relacionamento tóxico."

Esse sentimento, ninguém entende.

Por isso, cantamos:

"Vamo, vamo, vamo, Botafogo
clube que é mais tradicional
quero te ver campeão de novo
Vou te apoiar até o final!"

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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