Taça das Favelas mostra que comunidade não é carência: Ela é potência!
O maior torneio entre favelas do mundo foi idealizado pela Cufa, Central Única das Favelas. A Taça começou em 2012 num campinho de areia com arquibancadas de madeira. Hoje é um evento nacional.
Ele acontece em 15 estados mais o Distrito Federal. São cinco estados do Nordeste, dois do Centro-Oeste, três do Sudeste e os três do Sul. É muito mais que um campeonato de futebol. Promove a inclusão social e a integração entre as favelas, dando a elas uma visibilidade pouco habitual.
Em 2024, a Taça das Favelas realizou quatro finais no mesmo dia. Em São Paulo as finais foram o evento piloto da Mercado Livre Arena Pacaembu. O Moça Bonita, do Bangu A.C., estádio da zona oeste carioca, foi palco das finais feminina e masculina no torneio do Rio. E eu, enquanto embaixador da Taça carioca, estive presente e prestigiei essa grande festa.
Estávamos habituados a ver esses territórios ocupando as páginas policiais. A Taça das Favelas veio para mudar esse cenário. O futebol traz esperança e autoestima pros moradores das favelas. É emocionante acompanhar os relatos de orgulho das meninas e meninos que figuram nos jornalísticos, porém, na seção de esportes. É um gol de placa!
No início, o torneio era visto com desconfiança por quem é do asfalto. A ideia de juntar seleções de morros tradicionalmente inimigos dava a certeza de que novos conflitos seriam formados e que brigas generalizadas fatalmente aconteceriam. Os pessimistas perderam feio.
O que se vê são ambientes harmônicos. Favelas se encontram nas arquibancadas, se abraçam, dançam, zoam, sem problemas. Os moradores torcem lado a lado para seus times, sem que facções criminosas tenham qualquer influência. Para isso, regras rigorosas de comportamento foram impostas. E isso me chamou muito a atenção. A lei da favela é muito mais respeitada que a lei do asfalto. Temos muito o que aprender com essa turma. A única disputa que se vê é pela bola. Aí o couro come.
Qual o garoto que nunca sonhou em ser jogador de futebol? Em qualquer campinho do país, ao menos um menino, uma menina joga pensando em um dia defender as cores do seu clube do coração ou até mesmo se tornar colega do Vini Júnior e Endrick no Real Madrid. Escrevi um livro inspirado nesse sonho. "Vai na Bola, Glanderson!" foi adaptado para o cinema. Está disponível na Apple Tv, Telecine e Globoplay.
Antigamente, a garotada não tinha ideia de como seria possível bater na porta de um clube e ter uma chance. Inconcebível. Pois agora, os problemas acabaram. Cada favela pode montar sua seleção e disputar uma vaga na série A da Taça. A jogadora que mandar bem poderá ser a nova Marta.
Os números são impressionantes. Este ano, 2.790 jogadores e 810 jogadoras disputaram a Taça no Rio de Janeiro. 27 equipes femininas e 66 masculinas. Dois milhões de telespectadores viram tudo de casa, com locutores e comentaristas profissionais.
Em 2017, a Taça revelou Patrick de Paula, atacante do Complexo de Santa Margarida, em Campo Grande. Em 2022, foi a contratação mais cara do futebol brasileiro. O Botafogo arrematou seu passe por R$ 33,3 milhões. Atualmente, joga emprestado no Criciúma, mas em breve estará de volta ao meu Fogão.
Não é à toa que as arquibancadas de Moça Bonita, no Rio, e do Pacaembu, em São Paulo, estão sempre recheadas de artistas e jogadores profissionais. O pentacampeão mundial Cafu, de Jardim Irene, é um entusiasta, sempre presente nas cerimônias de abertura e nas finais de São Paulo (e de outros estados).
É muito mais que futebol. A organização dos campeonatos, oferece workshops sociais, onde jogadores e técnicos aprendem a ter cuidados com alimentação, higiene e recebem noções de educação financeira. São lições que transformam a vida de famílias, alertam para o perigo do endividamento e prepara o futuro craque a não se iludir com o primeiro salário e desperdiçar uma rara oportunidade em investimentos furados.
A força do futebol feminino ganhou um impulso potente com a Taça das Favelas. As meninas passaram a ter uma visibilidade que antes só era possível se chegassem à seleção brasileira. Os campinhos de várzea dessas favelas agora são disputados por meninas e meninos. As atletas são respeitadas pelos vizinhos que sabem que um título pode elevar o nome da sua região nacionalmente. Os atletas, estrelas de suas comunidades, são abordados para tirar selfies que são exibidas com orgulho pelos moradores.
Assim como nas Olimpíadas de Paris, onde as mulheres foram maioria representando o nosso país, vejo um grande crescimento do Brasileirão feminino. Isso mudará o panorama tanto no universo de anúncios, quanto em salários e espaço na mídia.
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Quero receberEstava refletindo sobre isso, quando me deparei com um comentário no Bluesky: "Brasileirão Feminino". Porque não chamar simplesmente de Brasileirona? E não é que faz sentido? Eu apoio a campanha do campeonato brasileiro feminino ser apelidado de Brasileirona! O que você acha? Deixa aqui nos comentários.
No Rio, as meninas de Cidade Deus e os meninos do Morro da Mina foram os campeões. Em São Paulo, os rapazes da Favela Erundina e as moças da seleção de Tiradentes levaram os canecos.
A festa foi gigante com direito a baile e churrasco farto. Os eventos foram produzidos pela InFavela, realizada pela Cufa, Favela Holding, Ministério do Esporte e o Governo Federal, em cooperação com a Unesco.
A Taça das Favelas prova mais uma vez que favela não é carência. Favela é potência!
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