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José Trajano

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os ídolos e os companheiros de barro

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Imagem: Reprodução

18/02/2022 04h00

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A gente idolatrou certas figuras por quase toda uma vida. Como nos fizeram felizes! Uma delas chegou a pegar no gol no meu histórico time de botão, barrando inclusive Pompéia, o goleiro voador, que eu endeusava. E quando se descobre quem realmente elas eram, ou são, e o quanto demos com os burros n'água, só resta chorar.

É o caso, na opinião de muitos, do maior goleiro brasileiro de todos os tempos, o lendário Gylmar dos Santos Neves. Bicampeão mundial pela seleção (1958 e 1962) e pelo Santos (1962 e 1963), campeão do Centenário pelo Corinthians (1954). O elegantérrimo goalkeeper, o homem que não se deixava abater nem pelos frangos que levava. Um gentleman!

O goleiro, que fez 103 partidas pela seleção brasileira, continuará como campeão, com o nome dele publicado nos livros, aparecerá nas cenas dos jogos históricos, nas fotos e flâmulas penduradas nos museus e salas de troféus dos clubes por onde andou. E até nas paredes do querido bar São Cristóvão, na Vila Madalena, que tem o futebol como decoração nas paredes e até no teto.

O homem Gylmar, porém, entra para a história pela porta dos fundos.

Ao saber pela coluna do Juca Kfouri, leia aqui no UOL, que o ex-goleiro era despachante do departamento do DOI-COI, local onde foram assassinados e torturados muitos oponentes à ditadura, e que vendia carros apreendidos dos ativistas e fazia negócios com militares e policiais, além de ter recebido uma concessionária GM no Tatuapé pelos bons serviços prestados, fiquei horrorizado. E senti a mesma sensação revelada por Helvidio Mattos em sua coluna em Ultrajano.com.br:

"A imagem do goleiro elegante... se desfaz. No lugar dele surge a figura de um homem de preto assombrando as crianças nos porões da ditadura."

Goleiro Gilmar dos Santos Neves no fim de vida - Reprodução - Reprodução
Ex-goleiro Gylmar dos Santos Neves, morto em 2013
Imagem: Reprodução

Poderia falar ainda de Nelson Piquet, motorista de cerimônias do Capitão Corona (quase saí no tapa várias ao defendê-lo contra o Senna); do excelente goleiro Andrada, argentino do milésimo gol do Pelé e alcaguete da ditadura de seu país; do Didi Pedalada, ídolo do Internacional, que sequestrou casal uruguaio na operação Condor ao lado dos militares; de John Wayne, meu mocinho favorito dos faroestes e dedo duro dos colegas comunistas na época do macartismo

E até de Leda Nagle, Augusto Nunes e Márcio Guedes, só para citar alguns, ex-companheiros de profissão que respeitava, que viraram negacionistas e defensores raiz do que há de mais sórdido neste país. Mas deixo isso para uma próxima.

P.S.: eu sempre achei o Castilho melhor do que o Gylmar.

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Na newsletter desta semana, José Trajano também comenta sobre o novo CD da cantora Alaíde Costa, de 86 anos, com produção do rapper Emicida. Na opinião do colunista, o impactante álbum "O que meus calos dizem sobre mim" pode inspirar o controverso presidente da Fundação Palmares na nobre missão de preservar a cultura negra no país.

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