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José Trajano

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A noite em que virei e desvirei a casaca

Jhon Arias, do Fluminense, comemora gol contra o Corinthians pela Copa do Brasil - REUTERS/Sergio Moraes
Jhon Arias, do Fluminense, comemora gol contra o Corinthians pela Copa do Brasil Imagem: REUTERS/Sergio Moraes

Colunista do UOL

26/08/2022 04h00

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Quando o meia colombiano Jhon Arias Andrade enfiou a raquete e fez o segundo gol do Fluminense no iniciozinho do segundo tempo, tive um siricutico, uma inquietação e entrei em transe. Não deu nem tempo de gritar gol.

O golaço me levantou do sofá, me fez respirar fundo e levou o meu pensamento para longe, com o olhar pra lá de distante do que acontecia no Maracanã.

"Comecei a olhar para dentro, para dentro de mim. Incrível! Incrível mesmo!"

Entrei então numa máquina do tempo. Voltei aos 7 ou 8 anos de idade, não sei dizer ao certo. Voltava a ser o menino magro, olhos espertos, com o sorriso aberto e lábios grossos, como os de minha avó Jandira, que parecia uma linda indígena, mas não era.

Esse menino, que acabara de se mudar com o pai, a mãe e uma irmã recém-nascida do bairro do Catumbi, à beira do Morro do Querosene, para a Tijuca, era torcedor do Fluminense. E torcia para o Tricolor porque recebera um lindo escudo do clube das Laranjeiras.

De vez em quando, um tio ricaço — irmão do pai de minha mãe, que ao contrário do outro era duro e vivia em Campo Grande, zona rural da cidade — que morava em uma lindíssima mansão no Posto 6, em Copacabana, e organizava lindas festas, apetitosos banquetes, com acepipes e iguarias jamais vistas, em nosso pequeno apartamento na rua paralela à sede do América, vizinho à Praça Afonso Pena, onde morávamos recentemente.

Em uma dessas reuniões, um amigo do tio anfitrião distribuiu lindos escudos do Fluminense nas cores grená, verde e branco aos filhos dos convidados. Hoje chamam esses escudos de pins. Eu fui um dos meninos presenteados. Quem dava os presentes e fazia questão de pregar na camisa era Laís, o Arthur Antunes de Moraes e Castro, homem elegante, conhecido corretor de imóveis e sócio do tio em algumas coisas que eu não sabia direito.

Laís fora tricampeão pelo Fluminense (1917/18 e 19) em uma época em que o "sportman" para jogar o campeonato tinha que ser "amador, sócio do clube proponente, saber ler e escrever, ter moralidade comprovada, exercer profissão honesta e residir na região jurisdicionada da Liga". E cuja escalação, segundo Mário Filho, "qualquer tricolor tinha a obrigação de recitar" como um soneto de Olavo Bilac: Marcos, Vidal e Chico Neto; Laís, Osvaldo e Fortes; Mano, Zezé, Welfare, Machado e Bacchi.

Imaginem a marra e o prestígio que o homem tinha. Ganhar um presente do Laís dava inveja em gente adulta que conhecia a história do grande capitão e depois treinador do Tricolor.

Quando me recuperei do transe provocado pelo gol do Arias, tinha virado casaca e me transformado em entusiasmado torcedor do Fluminense. Imaginava como estariam os amigos tricolores: Ivair, Maura, Hélcio, Octávio de Barros, o que Chico Buarque estaria achando, o que Nelson Rodrigues maquinava para escrever após a partida o texto de À sombra das chuteiras imortais.

Corria tudo assim, eu achando inclusive que Fernando Diniz deveria ser o substituto do Tite na seleção, até que veio, ao apagar das luzes, o gol de empate do Róger Guedes. Entrei em choque. Fiquei paralisado!

Rapidamente me belisquei, olhei em torno enquanto uma voz lá de dentro dizia: "Deixa de sonhar, rapaz, você é velho demais para virar casaca. Como diz o hino do Lamartine, você tem que ser America até morrer".

Desliguei a televisão, pus o pijama, deixei as pantufas na beira da cama, me cobri com duas cobertas por causa do frio intenso. E já deitado, antes de pegar no sono, lembrei o dia em que guardei o escudo na gaveta para virar America. Paixão pela qual jamais me arrependi.

Como diz o outro, futebol é fogo, torcida brasileira!

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